Por Luiz Carlos Prestes Filho –
A empresária Lili Barbosa de Mello comemora o final da quarentena, provocada pela Covid 19. O Hotel Fazenda Vilarejo que dirige, em Conservatória, ficou lotado no último fim de semana. Claro que foi obedecida a ordem municipal de higiene sanitária: ocupação de até 50%. Para ela essa volta está relacionada com o trabalho e a realização de um sonho de infância: “Das muitas ocupações brotam sonhos; do muito falar nasce a prosa vã do tolo”, medita Lili, através dos ensinamento do livro “O Eclesiastes”.
A empresária relembra que entre as seis irmãs da família ela sempre foi a responsável por abastecer sua casa de água: “Todo dia eu repetia o mesmo caminho com meus baldes e toda noite, quando ia dormir, sonhava com a fonte do nosso sítio. Contava para minha mãe que nos meus sonhos o local guardava ouro e pedras preciosas. Era tão constante que, francamente, passei a afirmar que deveríamos perfurar as pedras no entorno. Acreditava que abaixo delas tinha uma jazida. Minha mãe ria admirada.”
O Vilarejo começou a ser construído em 1975 e inaugurado em 1982. Depois de vários fracassos profissionais e empresariais, João Batista, marido da Lili, resolveu, com apoio de seu sogro, Liberato, entrar no ramo do turismo. Apostou no clima de Conservatória, que sempre atraiu veranistas, e na tradição centenária da seresta: “O local escolhido para a construção do hotel, foi exatamente o centro do sítio onde nasci. Vendemos tudo que tínhamos de valor, inclusive, objetos de ouro, um antigo relógio de parede e até um revolver. A pouca riqueza acumulada escorria entre os dedos de nossas mãos. Meu sonho de menina estava se perdendo, tudo era contra as minhas visões. Alguns Títulos de Sócio Proprietário troquei com um amigo, por 28 cobertores; com outro, por uma geladeira e um freezer usados; também, por material de construção. Os lençóis, não precisei negociar com ninguém, minha mãe Odete, que é uma costureira de mão cheia, já tinha feito todos aqueles necessários para a abertura do empreendimento.”
Hoje, quando fala da inauguração, Lili conta que a caixa de luz não suportou a carga, explodiu, e uma chuva forte inundou a piscina de lama: “Para nossa vergonha os hospedes tiveram que se envolver com a limpeza e os consertos emergenciais. Sinceramente, acreditei que nenhum deles voltaria a se hospedar conosco. Mas com os anos percebi que existia algo de especial que atraia aqueles que nos visitavam no Vilarejo. Pois, sempre voltavam.”
A pandemia que obrigou Lili a paralisar as atividades de hospedagem, ininterruptas por 38 anos, não trouxe desanimo. Ela gosta de repetir que demorou muito para decifrar o significado de seus sonhos sobre a fonte, onde buscava água para sua mãe: “Foi o grande amigo, José Roberto Dias Leme, que certa vez me perguntou o que eu escondia abaixo da capela do Hotel Vilarejo. Ele falou que sentia que aquele pedaço de chão tinha um significado emocional muito forte para minha pessoa. Sempre que entrávamos juntos para rezar, uma paz, um encantamento, envolvia meu rosto e meus movimentos ficavam mais leves. Foi quando contei para ele que no subsolo da capela estava a fonte de água pura da minha infância… que entendi o significado dos sonhos que tinha recebido quando menina”:
O sonho não estava onde fui procurar
Precisei de tempo para constatar
Que o sonho se escondia – exatamente naquele lugar
Que nunca poderia imaginar
O sonho eu já tinha tocado com as minhas mãos
Ele me dizia: “estou aqui, sou o seu chão”
Foram anos para interpretar
E pisar e pisar e pisar e pisar e pisar
O Hotel Fazenda Vilarejo, é o ouro, é a pedra preciosa que Lili tanto buscava. Riqueza que nem a mais triste e violenta crise de saúde e de higiene sanitária conseguiu destruir.
LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).
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