Por Miranda Sá –
“Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer: – E daí? Eu adoro voar” (Clarice Lispector)
A estúpida confusão entre os direitos e os deveres praticada nos círculos do poder é culpa dos executivos, parlamentares e magistrados; e fica refletida nas aglomerações em portas de hospitais, nas dolorosas filas aguardando a liberação de um leito nas UTIs e na macabra acumulação de cadáveres nos necrotérios.
A insensibilidade e insensatez do presidente Jair Bolsonaro ao ser preguntado por um repórter que cobre o Planalto sobre as mortes do coronavírus que ele comparou com uma “gripezinha”, resmungou: – “E Daí?”
Esta locução que mostra falta de bom senso dos que rejeitam, por ignorância, maldade, ou uso político da insegurança, o enfrentamento da pandemia que se alastra com um assustador balanço de infectados e de óbitos.
Ao ouvir isto de um Presidente da República dá vontade de mergulhar no radicalismo, considerando a uniformidade cerebral dos políticos brasileiros – com raras e honrosas exceções -, colocando o carreirismo e a obtenção de vantagens acima do interesse nacional.
Este “E Daí? ” do Presidente seria abominável e até nefando, se não tivéssemos o belíssimo samba de Miguel Gustavo (“E daí? – Proibição Inútil e Ilegal), poesia musical magistralmente interpretada por ídolos da música popular brasileira como Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso, Isaura Garcia e Walter Wanderley, Maysa e Miúcha…
O verbete “Daí” dicionarizado, é uma contração da preposição ‘De’ com o advérbio ‘Aí’, indicando início, pergunta por lugar ou tempo, e para determinar o descarte de uma situação próxima de quem fala.
Lembro de uma anedota antiga contando que um parente próximo do dono de uma agência funerária e fabricante de féretros, se encontrando com ele, perguntou-lhe: – “Como vão os negócios? ”. Com um ar de desolação o papa defunto respondeu: – “Nem me fale! Com a invenção da maldita penicilina…”
Tem gente que pensa assim… O exemplo está na multiplicação de novos interlocutores no Twitter que vem demonstrando duas coisas: Uma, a maioria repete os mesmos argumentos, levando-me ao que observou um psicanalista (não me lembro se Freud, Jung ou Reich) dizendo que quando um grupo se repete falando as mesmas coisas, só uma cabeça está pensando…
E dois: a segunda observação com as arrobas recém-chegadas, é o preconceito e a agressividade. Entre elas há os que não aceitam a divulgação de notícias porque discordam do seu conteúdo; e outros que são excessivamente odiosos, provocando, hostilizando e ofendendo quem critica os seus políticos de estimação.
Lembro dos começos do Twitter, que se iniciou com a exigência dos 140 toques disciplinando as mensagens. É daquele tempo que guardo orgulhosamente muitos seguidores e os sigo. Havia polêmicas entre nós, algumas até acirradas, mas nelas o respeito pela opinião alheia.
É claro que são tempos que não voltam mais. Como o de George Sand, que no século 19 escandalizou a sociedade francesa vestindo calças compridas; e das primeiras mulheres que usaram maiô de duas peças na década de 1930… E mais tarde, com o atômico biquíni…
As cabeças pensantes do mundo estão matutando para projetar o que ocorrerá no pós-pandemia do coronavírus. Otimista, acho que vai vigorar mais humanismo, prevalecendo na escala do pensamento a dúvida e a oposição aos egocêntricos que detêm o poder pelo mundo afora.
Aprende-se muito na travessia da crise, isto constrói silenciosamente um acurado espírito público, o civilismo e a ética. Não se admite mais governos autoritários de pessoas que desrespeitam a Democracia.
Tenho também a certeza de que no futuro não se aceitará mais os favoritismos, privilégios e o uso do poder para fins pessoais, grupistas e familiares…
MIRANDA SÁ – Jornalista, blogueiro e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã. Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.
MAZOLA
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