Por Carlos Russo Jr. –
Era o dia 30 de setembro de 1937 e os jornais de todo o Brasil estampavam uma manchete: “Instruções do Comintern ( Comitê da III Internacional Comunista) para a acção de seus agentes no Brasil: o Plano Cohen”.
O Estado Maior do Exército descobrira um tenebroso plano de ataque subversivo de nome judaico. Os ministros militares, tendo à frete o general proto-fascista Góis Monteiro, davam um ultimato para que o Congresso decretasse “o estado de guerra interna”, em vista do eminente “perigo vermelho”; caso se negasse, seria fechado à ponta de baioneta.
No dia 1 de outubro, o Congresso se reúne com a maioria querendo açodadamente aprovar o tal estado de guerra, e o líder do PSD, Otávio Mangabeira indaga:
“A Câmara sabe o que esta medida representa?… votar medida de tal gravidade, sem ter ao menos dado a impressão de que examinou os documentos apresentados, sem mesmo, sequer tê-los lido?”
Valdemar Ferreira, representante do agronegócio paulista vai à tribuna e declara: “Não há nos documentos trazidos ao conhecimento da Casa um único elemento de convicção! Trata-se de um manuscrito anônimo sobre uma incursão comunista no Brasil, mas quase todos os comunistas, desde o ano passado, estão presos ou mortos…” Referia-se ao derrotado movimento revolucionário da Aliança Nacional Libertadora de 1935, reprimido a ferro e fogo.
Por outro lado, o chefe integralista e deputado Plínio Salgado Filho retruca: “Trata-se de instruções comunistas que o Estado Maior apreendeu e fez publicar!”
Valdemar Ferreira responde-lhe: “O que se sabe é que estas instruções foram aprendidas pela milícia do Partido Integralista e entregues ao Exército”.
Colocada em votação, o “estado de guerra” é aprovado por 138 votos contra 52, no mesmo dia, 1 de outubro de 1937.
Na semana seguinte, Armando Salles de Oliveira, que no futuro daria seu nome ao Campus da Universidade de São Paulo, então ainda candidato à Presidência da República em eleição que jamais ocorreria devido ao golpe de estado cívico- militar, dispara:
“A nação está voltada para seus chefes militares: suspensa espera o gesto que mata ou o que salva”.
Não havia salvação, o golpe fora perpetrado e Salles de Oliveira, exilado, em entrevista com o Presidente Norte-americano Roosevelt, diria: “Não há vislumbre de qualquer tipo de liberdade em meu país. A liberdade de imprensa é uma quimera, nem se comenta nenhum pronunciamento popular pelo voto. Sob a responsabilidade oficial é feita a propaganda dos regimes ditatoriais, de força bruta e barbárie.”
Em 10 de novembro de 1937, esquecendo o acordo realizado em 1 de outubro, o Exército cerca o prédio do Senado e Getúlio Vargas ordena o fechamento tanto da Câmara e quanto do próprio Senado.
É o princípio do Estado Novo, também conhecido como a ditadura Vargas, que se estendeu até 1945. A ditadura tomou emprestado o termo “Novo” de outra ditadura, a de Salazar, implantada em Portugal em 1933.
“O Estado Novo dispensa intermediários: não se utiliza de fragmentos de opinião, não permite facções de pensamentos nacionais; não reconhece condomínios, parcelas, divisões, minorias ou maiorias. Quer uma nação uma, coesa, coerente, sem antagonismos de ideias e nem de doutrinas. Sua força são os interesses supremos da Pátria, e seu poder coercitivo são as Forças Armadas.”
Entretanto, as próprias forças do Estado Novo não eram tão somente as Forças Armadas, embora infiltradas por elementos pró-nazismo, como seus chefes. Enquanto os batalhões das milícias “camisas verdes” desfilavam entusiasticamente pelas ruas do Rio e de São Paulo, sob os slogans: Pátria, Deus, Anauê, o Diário Oficial proclamava a ditadura.
Não nos esqueçamos de que Hitler, em 1933, havia dito:
“Nós edificaremos uma nova Alemanha no Brasil. Nossa raça tem direitos adquiridos sobre este continente…” E, a partir de então, desde o Rio Grande do Sul, os núcleos integralistas haviam se espalhado por todo o país. Em seus encontros e concentrações, os integralistas recebiam treinamento de ordem unida e executavam rituais e simbologias do Exército Brasileiro. No dia 13 de novembro, “A Ação”, jornal do Partido Integralista conclamava o deputado federal Plínio Salgado como o “Condestável do Brasil”, o futuro Führer brasileiro.
No dia 10 de novembro de 1937 entra também em vigor uma nova Constituição “outorgada”, sinônimo de imposta, ao povo brasileiro, chamada de “A Polaca”.
“Quero instituir um governo de autoridade sem os empecilhos da democracia liberal” ordem clara do ditador Vargas. Um advogado obscuro, chamado de notável pelo ditador, Francisco Campos, vulgo “Chico Ciência”, fora chamado para dar forma a uma aberração jurídica, que extinguia os partidos políticos, instituía a censura, abolia direitos individuais, autorizava à intervenção do poder federal em todas as esferas administrativas, econômicas e jurídicas, estabelecia a censura prévia para todas as publicações e instituía a Justiça Militar para julgamento de civis, dando formatação de lei a meros anagramas autoritários e nazifascistas.
“A Polaca” previa ainda a nomeação de interventores para o governo dos Estados e intensificava a repressão contra os crimes ditos “contra a segurança nacional”.
Prisões, torturas, execuções e fábrica de falsários e delatores.
Desde 1935, uma feroz repressão fora desencadeada por Getúlio Vargas e seus acólitos. A repressão transbordara de presos a maior parte das prisões brasileiras e até mesmo os porões de muitos navios chegaram a abrigar mais de vinte mil presos políticos.
O Tribunal de Segurança Nacional foi instituído em 1936, um ano antes do golpe de Estado de 1937.
Entre 1935 e 1945, a casa da Rua da Relação, onde funcionava a Central de Polícia Política, se transformou em máquina de mortes, sofrimentos inauditos e loucura, comandada pelo ex- tenentista e trânsfuga da Coluna Prestes, Filinto Muller. Interrogado após a queda da ditadura getulista, diria: “Torturei, sim, torturamos muito, não jogo minha responsabilidade para cima ou para baixo.”
O mesmo Filinto Muller, em 1964, foi seria um dos líderes “civis” da Ditadura Militar.
O repórter David Nasser dizia que, durante a ditadura, tornara-se muito rentável um novo tipo de prestação de serviços, o trabalho do delator- alcaguete:
“Tipos de mentalidade apodrecida, escória das fábricas, das oficinas, dos quartéis, dos negócios… serviam para o trabalho de espionagem, de delação. Eles eram o baluarte do Estado Novo. Descobriam futuras revoluções, hipotéticos atentados. Os delatores mais baixos recebiam até 50 cruzeiros por pessoa apontada” e faziam fila por uma boquinha. Alguma semelhança com os propagadores de “fake news” da atualidade?
O golpe de Estado de 1937 também se propunha atacar pela raiz “a corrupção de uma classe política conspurcada pela lama”, como o escrito num dos primeiros informes emitidos pelo D.I.P., futuro controlador cultural da Nação.
Pois os anos que se seguiram ao golpe foram os de maiores torpezas na vida nacional.
Como diria claramente o historiador Hélio Silva, ao analisar este e o futuro golpe militar, o de Primeiro de Abril de 1964: “Todos os golpes se parecem”.
Obs.: O documento apócrifo que fundamentou a denúncia do Plano Cohen e que levou à decretação do “estado de guerra” foi uma falsificação de autoria do então Capitão Olímpio Mourão, filiado ao Partido Integralista na época, posteriormente promovido a general de Exército, comandou o Golpe de 1964 e presidiu o STM até pouco antes de sua morte, em 1972.
Fonte: Espaço Literário Marcel Proust
MAZOLA
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