Por Miranda Sá –
“Uma boa estória é como uma pílula amarga, com uma camada de açúcar por dentro” (O. Henry)
Faz muito tempo que eu, ainda adolescente, escrevi uma coluna no extinto jornal “A Manhã”, intitulando-a de “Pílulas”. Eram pequenas notas, espremidas e isoladas, que eu tirava do noticiário dos outros jornais ou de conversas com amigos. Mais ou menos precursoras do que faço atualmente no Twitter.
No rodapé trazia um subtítulo, “Ora Pílulas! ”, que na linguagem popular usava-se com referência à insignificância; ali resumia coisas de pouca importância, só levadas a sério pelos colunistas sociais…
O verbete Pílula é um substantivo feminino de origem latina (“pilula”) que significa bolinha, diminutivo de “pila,ae”, “bola”. É um fármaco compactado por compressão, com diversas formas e cores.
A palavra caiu em desuso passando a chamar-se comprimido, até que surgiram as anticonceptivas, a pílula azul e a pílula do dia seguinte, voltando à linguagem coloquial. Atestando a eficácia da pílula contra a gravidez, Millôr Fernandes tem um comentário irônico, ao escrever que: – “Você pode evitar descendentes. Mas não há nenhuma pílula para evitar certos antepassados”.
Recentemente os cientistas desenvolveram uma pílula com resultados positivos para tomar o lugar das abomináveis injeções.
Baseando-me no ensinamento de Antoine de Rivarol de que “As máximas são a sabedoria em pílulas” pesquisei e colecionei pensamentos, provérbios e anedotas históricas que mantenho sempre nos meus escritos.
Uma delas, bastante antiga, relembrei por se tratar de uma historieta adaptável aos dias que atravessamos:
“Na década de 1950 a revista ‘Nouvelle Revue Française” recebeu uma comunicação do Imposto de Renda da França convidando o escritor Franz Kafka – que aparecia como colaborador da Editora – a pagar os impostos atrasados.
A diretoria financeira da empresa respondeu: – ‘Lamentamos muito, mas o senhor Franz Kafka não pode atender a sua intimação, porque morreu a 20 anos’, o que correspondia à verdade. ”
Isto retrata uma rotina burocrática antiga, mas ainda vigente em diversas repartições públicas de todos os países.
Em 1958, fui funcionário do antigo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários, e quando lá iniciei as minhas funções, encontrei processos atrasados dos antigos “bancos do Eixo”, que sofreram intervenção federal na 2ª Guerra Mundial. Passaram-se 13 anos do fim do conflito e os processos de aposentadoria e pensões dos empregados daqueles estabelecimentos estavam engavetados. Desarquivei-os e dei solução a todos, o que me valeu uma promoção…
Agora assisto a constrangedora situação de milhares de pessoas que têm os processos congelados no INSS, o que dói na consciência das pessoas normais. Reconheço que não se trata apenas de burocracia, mas também do envelhecimento do quadro de servidores levando-os à aposentadoria sem a necessária renovação, mesmo tendo muitos aprovados em concurso.
Mas enquanto isto ocorre, nós nos revoltamos vendo que os ex-presidentes têm direito a cartões corporativos, quatro servidores à disposição e dois veículos oficiais com dois motoristas; tudo pago pelo contribuinte.
Pior ainda é ver-se Fernando Collor e Dilma Rousseff que tiveram seus mandatos cassados pelo impeachment, manterem esses benefícios.
São as pílulas amargas que a cidadania é obrigada a engolir por força de uma legislação frouxa e o Congresso legislando em causa própria…
MIRANDA SÁ é jornalista, blogueiro e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã. Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.
MAZOLA
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