Por Miranda Sá

“Tudo crer é de um ingênuo. Tudo negar é de um tolo” (Jean-Jacques Rousseau)

Rompendo o costume de registrar e comentar os acontecimentos factuais do ano, a pandemia do novo coronavírus obriga-nos a reconhecer que 2020 foi um ano perdido e nada ocorreu que pudesse evitar a ocupação de todos os espaços com o coronavírus.

Saltando de 2019 para 2020, assustou-nos em janeiro o aparecimento de vítimas que consumiram lotes contaminados da cerveja Belorizontina, da Backer, em Minas Gerais, com várias mortes. Todos que gostam de uma cerva gelada se sentiram ameaçados.

Mas o perigo estava bem mais distante, na China, numa cidade pouco conhecida, Wuhan, que entra na História da Civilização como o polo originário do novo coronavírus, que fora descoberto em novembro de 2019, mas teve o anúncio em janeiro de 2020.

Em três semanas o vírus se espalhou pelo planeta levando a Organização Mundial da Saúde – OMS -, a convocar um comitê de emergência em 22 de janeiro e no dia 30 reconheceu o surto planetário alertando aos governos nacionais para “uma ação coordenada de combate à doença que deverá ser traçada nas diferentes realidades”.

As medidas de prevenção em âmbito internacional esbarraram em dúvidas e incertezas, culminando com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, embora ciente da transmissão do novo coronavírus, ficar contra as medidas defensivas propostas pela OMS, como o isolamento social e o uso de máscaras.

Dessa maneira, tristemente, a América do Norte enfrentou a crise com o governo contrário às orientações dos centros científicos mais adiantados do mundo. A “prescrição negacionista” de Trump impôs o perigo que os norte-americanos pagam hoje; e, muito pior, influenciou perversamente os governantes satélites, como Jair Bolsonaro, no Brasil.

Não se trata de fake news como dizem os “bolsotrumpistas”, grupo subserviente às ordens “de cima”.  Felizmente são poucos os que não aceitam a verdade exposta pelo próprio Trump em entrevista ao jornalista Bob Woodward, admitindo que sabia que o vírus era perigoso e mortal; mas decidiu esconder os riscos para evitar pânico.

Agora – derrotado nas eleições – Trump deu uma meia volta e o seu governo assumiu a vacinação em massa, no que não é lamentavelmente seguido pelo seu seguidor brasileiro Bolsonaro, que sequer abandonou a propaganda da ineficaz cloroquina aconselhada pelo líder imperial. E nisso é bovinamente apoiado por gente que inventa curas milagrosas com a medicação adequada à malária…

Revoltei-me na época da “Guerra da Lagosta” com o presidente francês De Gaulle dizendo que o Brasil “não era um País sério (n’est pas serieux”), hoje, entristece-me reconhecer que a referência cairia como um enorme “sombrero mejicano” nas nossas cabeças envergonhadas com o Presidente que temos…

A subalternidade hierárquica de Bolsonaro ao Negacionismo torna-se mundialmente ridícula pelos seus comentários sobre a maior pandemia desde a gripe espanhola, tratando-a como “gripezinha” e “resfriadinho”, em declarações ora negadas, ora desmentidas pelos seus fanáticos seguidores.

Este besteirol negacionista ocorreu em várias ocasiões com alusões, piadas de mal gosto e insinuações, até chegar ao fim deste ano de crise, com o Presidente sem máscara e provocando aglomeração, respondendo a um repórter que lhe perguntou sobre o atraso do Brasil em relação a países que já iniciaram a imunização vacinal: – “Não admito pressões, não dou bola para isso”.

Ao registrarmos a ida sorridente de Jair Bolsonaro para tomar banho de mar no Guarujá, vemos que pouco se lhe importa o grave problema educacional com a suspensão das aulas, nem o imenso número de desempregados. Para ele está tudo politicamente controlado com Ministério da Saúde e a Anvisa sob seu comando.

Ainda mais entristece neste final de 2020 é chegarmos perto de 200 mil mortes pela covid-19, vendo o luto dos familiares chorando a morte dos entes queridos. Esta triste despedida, porém, conscientiza a todos do desrespeito do Presidente da República com as vítimas da sua estupidez.


MIRANDA SÁ – Jornalista profissional, blogueiro, colunista e membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã; Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.