Por João Batista Damasceno

O acordo celebrado pela Volkswagen com o Ministério Público Federal para reparar sua conduta durante a ditadura no Brasil encerra três inquéritos civis que tramitavam desde 2015. Mas, não encerra o assunto.

A montadora de automóveis se comprometeu, num Termo de Ajustamento de Conduta/TAC, a pagar R$ 36 milhões para iniciativas ligadas à defesa de direitos humanos, investigação de crimes praticados pela ditadura e à memória histórica. Quase metade do montante irá para a associação dos trabalhadores da empresa, visando, principalmente, aos “ex-trabalhadores da Volkswagen do Brasil – ou seus sucessores legais – que sofreram violações de direitos humanos durante a ditadura”, disse a Volks.

A pedido da empresa, um historiador alemão elaborou estudo e relatório, em 2017, onde apontou que a Volkswagen ‘foi leal’ ao governo militar e que trabalhadores foram presos por reinvindicações aos seus direitos e que também houve torturas realizadas no âmbito da própria fábrica em Anchieta, em São Bernardo do Campo/SP. Muito mais que leal à ditadura a Volkswagen foi sócia do projeto de pilhagem do Brasil.

Em comunicado a Volkswagen anunciou que “quer promover o esclarecimento da verdade sobre as violações dos direitos humanos naquela época”, e afirmou ser “a primeira empresa estrangeira a enfrentar seu passado de forma transparente” durante a ditadura. O papel de outros sócios da empreitada devem ser trazidos à luz, inclusive das empresas de comunicação cujos proprietários enriqueceram vendendo suas opiniões e formando a opinião pública em contrariedade aos interesses da sociedade brasileira. Um jornal paulista emprestava seus carros aos grupos da repressão política.

A ditadura não foi apenas militar. Foi empresarial-militar. Os militares que dela participaram agiram como milicianos a serviço do poder econômico e por isto perseguiram os que defendiam os interesses do povo brasileiro: nacionalistas, líderes populares, comunistas, socialistas, advogados e religiosos que se apiedavam com as condições de vida que se impunham aos trabalhadores e às gerações futuras.

Mas, a história é contínua. Os gorilas que assaltaram o poder, e receberam sinecuras para fazer o serviço sujo contra o Brasil, formaram discípulos que – no poder – continuam o projeto entreguista e de destruição do serviço público em prol dos interesses privados.

O Brasil que herdamos e contra os quais os interesses contrários ao povo brasileiro se levantam é o Brasil da Era Vargas. A venda do edifício A Noite, anunciada recentemente, na esquina da Praça Mauá com Avenida Rio Branco é emblemática. O prédio foi o primeiro arranha-céu e edifício de concreto armado da América Latina. Nele o ‘Polvo canadense’ instalara jornal e rádio para fazer propaganda dos seus interesses. Mas, Getúlio Vargas, após a Revolução de 30, cobrou as dívidas dos “Donos do Brasil” e recebeu prédio e rádio como pagamento. Assim, lá instalou a Rádio Nacional, pela qual houve comunicação nacional em rede. A TV Nacional que deveria igualmente entrar no ar foi entregue, após o suicídio de Vargas, a um empresário que ajudou a implantar a ditadura empresarial-militar e com dinheiro do sócio estadunidense foi ao ar em 1965. A criação da Petrobrás, com a oposição dos entreguistas, levou Getúlio ao suicídio em 1954. E agora está sendo sucateada por quem homenageia torturador.

Quando falamos da ditadura rememoramos as prisões arbitrárias, torturas, mortes em dependências militares, roubos, sequestros e desaparecimentos. Muitos familiares ainda hoje procuram os corpos de seus entes queridos ou seus paradeiros. Mas, o dano das políticas públicas implementadas, destruindo o futuro do povo brasileiro, é igualmente danoso e de mais difícil reparação.


JOÃO BATISTA DAMASCENO – Professor da UERJ, Doutor em Ciência Política (UFF), Juiz de Direito substituto de Desembargador do TJRJ, membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia, colunista e membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da Imprensa Livre.