Por Kakay –
“Se as coisas são inatingíveis…ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!”
–Mário Quintana
Nesta semana, recebi uma medalha na Bahia e fui fazer uma palestra em Natal (RN). Quando comecei a falar para um auditório cheio de advogados e estudantes potiguares, senti uma necessidade de pedir desculpas ao povo nordestino pela proposta indecorosa do vergonhoso governador do meu querido Estado de Minas Gerais.
Não é apenas a falta de cultura e de conhecimento da história que faz um homem público, tosco como Zema, ofender o bravo povo do Nordeste. É muito mais do que a xenofobia e a mediocridade. Manifestações como essas são frutos de um comportamento autoritário e segregador que foi cultivado e alimentado pelo fascismo bolsonarista. As garras afiadas desse atraso estão fincadas na alma de boa parte da nação brasileira.
Uma análise criteriosa da estratégia de poder do grupo bolsonarista nos faz refletir sobre as imensas dificuldades que ainda teremos que enfrentar para voltar o país a um patamar civilizatório. De maneira sibilina e criteriosa, foram inoculados, em algumas pessoas, o ódio e a violência. A prioridade era apostar na mediocridade e dar valor à frivolidade. Uma ignorância orgulhosa.
De forma insinuante, foram criando clichês maniqueístas bem ao gosto de pessoas sem capacidade de reflexão. De apostar numa farsa de um personagem bizarro, como o Bolsonaro –que se veste de homem simples, usa caneta Bic, come pão com manteiga deixando o farelo cair enquanto toma um pingado–, até arriscar políticas que priorizam o atraso, como proibir livros didáticos físicos nas escolas públicas. Em troca de livros, fazem a apologia às armas.
É necessário que tenhamos a capacidade de examinar toda a cuidadosa estratégia de poder em que esse grupo investiu e que mudou, em parte, a maneira de pensar e de se posicionar de milhões de brasileiros. Uma revisão da política nos 4 anos do governo Bolsonaro vai identificar o desmantelamento proposital que foi feito na cultura, na saúde, na educação, na segurança pública, nas artes e em praticamente todas as áreas.
Enfim, houve uma deliberada opção por destruir todas as conquistas humanistas das últimas décadas. É óbvio que um povo que não lê, que segue um mito e que não tem acesso à cultura, à arte e à educação perde a capacidade crítica de se posicionar contra a barbárie. Talvez essa seja a maior barbárie: apostar na ignorância da população e trabalhar para aumentar o fosso como forma de dominação.
Nunca o país foi tão dividido.
Durante a pandemia, optaram por investir na morte e na dor como maneira de reforçar a ideia de um líder messiânico. As chacotas com o sofrimento de quem morria sem vacina e sem ar eram rigorosamente pensadas em um roteiro macabro e cruel. Nada que esse grupo faz é por acaso. A proposta criminosa e racista do governador de Minas, de isolar os nordestinos, faz parte da mesma linha política de Bolsonaro, que investiu contra os negros, contra as mulheres e contra a comunidade LGBTQIA+.
É uma crença generalizada de que, com a segmentação do povo brasileiro, uma parte considerável será tangida como gado. Para isso usam, desbravadamente, a mentira e as fake news na tentativa de se perpetuar no poder. Com uma enorme e desmedida desfaçatez, saquearam o Brasil.
O ex-presidente já é investigado em diversos inquéritos, como um serial killer, e, ainda assim, continua povoando o imaginário como herói de um sem-número de pessoas. Como nos ensinou o Pablo Neruda: “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”.
Porém, a capilaridade dos crimes começa a minar a força desses seres escatológicos em muitas áreas antes dominadas pelo obscurantismo. E cresce na sociedade um sentimento de que é necessário punir tantos roubos, descasos, violência e crueldade. Levaram para dentro do Palácio do Planalto a prática da “rachadinha”, que é uma mania familiar, só que, agora, muito mais sofisticada e poderosa.
Desde o 1º momento, escrevi que estamos num embate entre a barbárie e a civilização. Dessa verdadeira guerra, iria sair o país que vamos continuar a habitar. Ou afastávamos as nuvens tóxicas e espessas que nos tiravam o ar, ou iríamos sucumbir ante a força de políticas teratológicas. Para eles, acostumados a viver no esgoto, cultuando a tortura, a violência e o terror, viver sem ar é um costume.
O que não podemos deixar é que, pressionados pelos acontecimentos, nós acabemos bebendo o vinho da vingança e do ódio. Se não preservarmos todos os direitos constitucionais ao próprio Bolsonaro e aderirmos a essa sanha punitivista, significará que a barbárie prevaleceu.
Ou seja, não se vence o fascismo adotando métodos fascistas. Eles foram envolvidos nas suas maracutaias por ser um caminho natural para esse bando que corrompeu a justiça social. Para nós, o único rumo é cumprir a Constituição. E me faz muito feliz, como ensinou Manuel Bandeira:
“E a vida vai tecendo laços
Quase impossíveis de romper:
Tudo que amamos são pedaços
Vivos do nosso próprio ser.”
ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 65 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros.
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