Por José Carlos de Assis

Defendi em alguns artigos anteriores a intervenção militar cirúrgica para liquidar com o caos institucional em que estamos. Escandalizei muita gente. E me arrependi. Dado que os militares atuais são particularmente frouxos e descansados, sobretudo os da reserva, que parecem satisfeitos com as sinecuras de que desfrutam como aposentados junto a Bolsonaro, estamos condenados a uma situação tão escabrosa na República que não podemos esperar sequer uma intervenção militar salvadora, apesar da degeneração institucional em curso.

A intervenção que sugeri remetia a uma instituição romana, chamada ditadura, que não tinha nada da ditadura que conhecemos em 64 e sobretudo com o AI-5. Apenas para conhecimento, vou repetir: em época de grande crise social ou institucional, com a cidade beirando o caos, Roma recorria a uma personagem que fosse reconhecida pelo respeito público e pela dignidade. Dava-lhe um mandato definido, digamos, seis meses, e um programa de governo que deveria cumprir à risca. Uma vez cumprido, devolvia o poder.

Essa personagem revestida de respeito e dignidade se chamava “ditador”. O nome foi deturpado ao longo do tempo e serviu tanto a Getúlio quanto a Geisel, a despeito de suas diferenças no comando do Estado. Pensei que essa figura pudesse ser aplicada agora para superação da crise brasileira. Exigia que um comandante militar fizesse a intervenção e devolvesse o poder imediatamente a civis regenerados, como fora a promessa de Castello. Contudo, me dei conta de que a palavra assustava tanto que eu poderia ser até censurado.

A maioria das pessoas do mundo político, sobretudo jovens, desconhece o fato de que um dos maiores filósofos políticos do Iluminismo, Locke, defendia o direito de rebelião dos cidadãos diante de um governo nefasto. É claro que isso não se aplica hoje porque certamente resultaria em guerra civil, e a guerra civil contemporânea implica uso de armas extremamente mortíferas e de destruição em massa. Um caminho intermediário teria que ser tomado, e o caminho natural para isso teria que ser o arbitramento do Exército, desde que não dividido.

Talvez o que imobiliza nossos generais não seja a covardia ou a pusilanimidade, mas o medo da divisão de suas tropas. Bolsonaro sabidamente tem aliados nos escalões inferiores do Exército (é provavelmente isso que o levou a dizer que tem o apoio das Forças Armadas), arrasta um bom pedaço das Polícias Militares, institucionalmente estabelecidas como forças auxiliares do Exército, e um número não sabido de milicianos muito bem armados nas metrópoles. É uma ameaça a ser levada a sério, embora parte dela possa ser bravata.

Nos próprios escalões da ativa das Forças Armadas Bolsonaro tem aliados. Um ex-ministro da Defesa confidenciou-me que alguns generais viam em Rodrigo Maia um político que estava dificultando a vida do Presidente – o que seria razão para que seu governo não desse certo. Isso dá a dimensão da extrema boa fé desses militares, considerando que Maia é um servo de Bolsonaro. Foi em função de tudo isso que desisti de propor o “ditador romano”. O caminho único, ao que parece, é o Congresso, em operação fulminante para tirar Bolsonaro.

Entretanto, não pensem que seja uma saída fácil. O processo normal de impeachment é lento demais, talvez meio ano. Enquanto isso, o país estará entregue à baratas, com a administração estraçalhada enquanto o Presidente estará correndo desesperadamente atrás

de votos no Parlamento, comprando tudo o que puder. Depois de mais de cinco anos de recessão, na iminência de uma depressão que possa significar uma queda do PIB da ordem de 10%, com desemprego recorde e enfrentando uma pandemia, o país não vai poder aguentar!

Tudo isso me leva a crer que devemos caminhar para uma meia institucionalidade. Um impeachment paraguaio. Caso se lembrem, o presidente Lugo foi deposto por uma operação de 24 horas armada no Congresso do país. É o que deveria acontecer aqui. Já tivemos operações institucionais semelhantes, como a instituição do parlamentarismo a toque de caixa. É hora de salvar a Nação e a República. Isso dispensa a intervenção do Exército, de que se deve dispensar, mantendo intactas as instituições centrais do país, Legislativo e Supremo.

*Estou encerrando hoje minha colaboração regular com blogs. Nunca consegui saber se tenho leitores, e quantos. Minas filhas diziam que não deviam ser muitos, porque minha linguagem não é a linguagem da internet. Na realidade, passei a vida, como jornalista de sucesso, escrevendo em papel. Assim, vou escrever em blog apenas excepcionalmente. Meu artigo de despedida será amanhã, abordando o que deve vir depois da deposição de Bolsonaro.


JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964. Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro. Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.