Por Lincoln Penna –
Não sendo devoto senão às amizades que busco cultivar, acompanho o calendário de festas e comemorações com o respeito devido porque faz parte de uma cultura da qual todos nós estamos integrados quer queiramos ou não. Como estamos às vésperas de uma data cristã aproveito a oportunidade para manifestar o apreço que tenho pelos que convivem comigo ao longo dos anos.
Mais do que os votos de boas festas e felicidades, comuns na troca de mensagens na passagem do Natal e do Ano Novo, gostaria de celebrar uma utopia, aquela em que mesmo improvável deve ser sempre acalentada. Afinal, a utopia é um vir-a-ser, logo algo que depende de muita fé não resumida à vontade, mas embalada pela ação. O próprio Cristianismo na pregação de apóstolos era uma utopia no império Romano e se transformou na religião oficial. Fruto da fé que se não remove montanhas figurativamente, nos embala em nossas lutas cotidianas.
E a fé dispensa a religiosidade. É a expressão de uma determinação, a da vontade de ver realizada a maior ambição daqueles que ao longo dos tempos lutaram para a construção de uma humanidade que superasse a sua pré-história. Atingir a história que justifica esse nome consiste em eliminar as diferenças e as desigualdades sociais, assim se expressou Karl Marx, faz quase dois séculos. Sua premissa encontra respaldo e exerce forte e significativa presença no mundo das ideias, principalmente as que propiciaram avanços científicos e culturais.
Peço licença para reafirmar que alimento uma fé inabalável movida pela fé no processo histórico, a de que todos os povos e culturas possam coexistir em harmonia plena. No entanto, alcançá-la depende muito mais do que uma determinação solo. É preciso uma conjugação de consciências, de modo a remover obstáculos que impedem a realização de um desejo coletivo, mesmo que não se expresse, não seja verbalizado, sobretudo pelos mais oprimidos, excluídos que são dos poderes de decisão para a obtenção da igualdade dos seres humanos.
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Como data de confraternização é comum a pregação de desejos de toda sorte. Viralizam palavras agregadoras, que infelizmente deixam de ecoar com o passar dos festejos de fim de ano, o que tornam essas palavras senão o cumprimento de um gesto convencional, já aguardado pelos que as recebem, que em troca devolvem nem sempre providas de sentido amoroso, verdadeiramente afetuoso.
O Natal para ser a evocação de Jesus de Nazaré, o zelota que se insurgiu diante dos poderosos em defesa dos mais humildes e desvalidos, teria de ser não apenas gestos dadivosos, atos isolados de concessão de prendas dos mais ricos para com os pobres. Uma esmola que só reforça a dependência de quem é privado, inclusive, de se libertar conscientemente, embora satisfaçam a ambos, seja para se sentirem sem culpa ou para atender a fome do desespero de quem recebe. Esmolar já é uma denúncia de uma situação que explicita a exclusão social, da mesma forma que expõe a miséria humana e abre mão da dignidade, último refúgio da autoestima.
O educador Paulo Freire dizia com humor, mas convencido da assertiva que pronunciava, que a sua leitura de mundo se fundamentava em dois barbudos, Jesus e Marx. Não sem propósito ele assim deixava clara as influências que ele recebera em sua formação, porque fazia muito sentido juntá-los.
Afinal, a reunião da conscientização com a intervenção na realidade social, mediante ações transformadoras reafirmava a chave-mestra de sua concepção de educação visando a emancipação daqueles que viviam e vivem subjugados nas relações sociais marcadas pela opressão, para desvelarem os horizontes da autêntica liberdade, aquela se leva à libertação, pois é ela que dá o sentido de ultrapassagem de uma condição que oprime aquele que se encontra nessa situação.
Na visão de um materialista, convicto do valor da fé na construção de um mundo em que toda a humanidade se irmane com base no amor à vida e na busca da justiça social, só possível sem a prevalência da lógica do lucro, da ganância e da exploração do ser humano pelo ser humano, envio por aqui o meu abraço sempre esperançoso de que dias melhores virão. Terão de vir.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Secretário Geral do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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