Por Jeferson Miola

O 8 de janeiro de 2023 foi uma espécie de 31 de março de 1964 que, todavia, não deu certo.

Foi um ataque violentíssimo e impetuoso aos poderes da República e à democracia que fracassou no objetivo de promover ruptura institucional e destruir o Estado de Direito.

Diferentemente de 1964, em 2023 os golpistas não contaram com o apoio dos EUA. E por isso não puderam avançar outra vez a empreitada antidemocrática.

Além disso, os “exageros” da barbárie fascista-militar assustaram certos setores da oligarquia dominante que preferiram desembarcar da escalada golpista à qual tinham se associado organicamente na fraude eleitoral de 2018 armada pelo judiciário lavajatizado.

O 8 de janeiro tem parentesco com outros atentados antidemocráticos perpetrados pelas oligarquias golpistas na história recente do país – como o 17 de abril e o 31 de agosto de 2016, dois momentos-chave do impeachment fraudulento da presidente Dilma; e como o 3 de abril de 2018, data em que o Alto Comando do Exército obrigou o STF a prender ilegalmente o presidente Lula para impedí-lo de disputar e vencer a eleição daquele ano.

A rememoração do 1º aniversário do 8 de janeiro de 2023 programada pelo governo será incompleta e insuficiente, porque fortemente permeada pelo “vício” do Brasil em contemporização e impunidade.

Se bem é verdade que cerca de 1.200 criminosos da extrema-direita bolsonarista e lavajatista tenham sido presos na ocasião, o fato lastimável é que nenhum –absolutamente nenhum– líder central, planejador ou arquiteto intelectual da intentona do 8 de janeiro foi processado e preso.

Todas as pessoas presas ou que respondem a processos criminais são cidadãos e cidadãs civis de relevância e responsabilidade terciárias na cadeia geral de planejamento e execução dos atentados.

Não foram processados e presos nem mesmo aqueles oficiais militares e membros da família militar que durante meses acamparam nas áreas dos quartéis e inclusive ajudaram nos preparativos dos atos terroristas de 12 e 24 de dezembro em Brasília.

A justiça militar, essa excrescência jurisdicional herdada da ditadura, julgou e condenou a um mês e 18 dias de prisão e em regime aberto um único militar criminoso, o coronel bolsonarista Adriano Camargo Testoni.

O incrível, porém, é que este delinquente fardado que participou ativamente da devastação no 8 de janeiro não foi condenado pela participação nos eventos, mas porque xingou seus superiores, chamando-os de “frouxos e ‘fdp’” porque não posicionaram, como prometido, as tropas nas sedes dos três Poderes então tomadas pela horda fascista.

Que se saiba, o próprio Bolsonaro ainda não responde a nenhum inquérito criminal sobre o 8 de janeiro. De igual maneira não foram responsabilizados os comandantes militares e oficiais de alta patente da ativa e da reserva que durante quatro anos ameaçaram a ordem institucional e até o último minuto de 2022 tramavam a virada de mesa porque não aceitavam o resultado da eleição.

O ministro bolsonarista do TCU Augusto Nardes, que distribuiu áudio a apoiadores relatando “um movimento muito forte nas casernas que terá um desenlace bastante forte na Nação”, continua impune e recebendo cerca de R$ 45 mil por mês no Tribunal.

É até possível que Bolsonaro e “seus” generais, almirantes, brigadeiros, coronéis, capitães e outros delinquentes civis e fardados venham a ser investigados em razão do relatório da CPMI dos atos golpistas, mas isso só acontecerá se for revertido o acordão firmado para livrar a cara deles.

Do mesmo modo que os agentes de terror da ditadura de 1964, os golpistas de 2023 também ficarão outra vez impunes. As cúpulas fardadas novamente conseguiram impor ao poder político e à sociedade civil a anistia para militares que perpetram crimes contra a democracia.

Os militares exigiram e ganharam uma nova anistia. Ainda que não seja na forma de uma nova Lei da Anistia, é uma anistia tácita.

Isso é sinal não só de que os militares estão conseguindo se reposicionar depois da tentativa fracassada de golpe, mas que estão absolutamente fortalecidos, fortes e rearticulando seu projeto próprio de poder fardado.

Assim como a impunidade depois da ditadura encorajou a dinâmica golpista do último período, a impunidade em relação ao 8 de janeiro encorajará – e num futuro menos distante que se imagina– novas investidas de militares golpistas contra a democracia e o Estado de Direito.

A rememoração do 8 de janeiro só terá eficácia democrática real se produzir um grande esforço do Congresso, do governo federal, do judiciário e das instituições da República para punir aqueles que representam, historicamente, uma ameaça à democracia.

JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.

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