Por Ricardo Cravo Albin

“Lá vai o trem sem destino /Pro dia novo encontrar…Lá vai ciranda e destino/ Cidade e noite a girar…” (H. Villa-Lobos e F. Gullar).

Ferreira Gullar, gloriosos 90 anos neste 10 de setembro.

O sentido figurado que esta crônica exalta remete ao Trem-Brasil, um Brasil a abrigar o trenzinho caipira de Ferreira Gullar, deslizando nos trilhos de outro gênio universal, Villa-Lobos, a desvelar as fontes do Brasil profundo e verdadeiro quando em busca do dia novo encontrar.

Um trem sem destino foi antevisto pelo Ministro Edson Fachin (o também corretíssimo defensor da Lava-Jato ameaçada pela PGR) em recente Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral ao recorrer a Grécia Antiga para explicar os riscos hoje experimentados pelo Brasil, impondo ao nosso futuro um Cavalo de Tróia dentro da fortaleza da democracia que ainda temos, mas já com traços insalubres de milícias e organizações ilícitas. Fachin de robusta cultura e bom senso, citou, segundo o colunista Bernardo Mello Franco, o livro “Como as democracias morrem” de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, que descreve a nova tática dos autocratas da atualidade: não promover rupturas violentas para minar a democracia por dentro em busca do sonho final dos ditadores, a eternização no poder, demonizando adversários e incentivando a violência, ao não aceitar as regras do jogo. As eleições de 2022 podem ser comprometidas se não se blindarem desde agora as instituições. Em março, Bolsonaro declarou que a disputa de 2018 teria sido fraudada para impedir a vitória em 1º turno. Trump acaba de declarar “só será derrotado se a eleição nos E.U.A for manipulada”. Mas neste 7 de setembro tive a alegria de ver o Capitão insistir no respeito às normas eleitorais e no juramento à Democracia. Será pouco, mas serve à nossa sede de consolo e de promessas.

O mesmo trem pode descarrilar pela falta de percepção da gravidade extrema da crise por parte do parlamento (Centrão), que quer porque quer furar o teto da obrigatória responsabilidade fiscal, ao se anunciarem cortes em necessidades básicas, vários apagões em pesquisas científicas, fechamento de universidades e até recursos emergenciais para compra na primeira hora de milhões de vacinas necessárias como fórmula única para sustar a pandemia.

Na outra ponta, o Ministério da Defesa teria conseguido do Presidente aumento de R$ 22 bilhões para sua modernização, o que adiaria, entre outros, o programa super necessário do Censo Nacional de 2020, que ficaria para 21/22.

Nem questiono aqui que nossas Forças Armadas vêm recebendo promessas de verbas por décadas. Mas francamente, um país em estado emergencial como o que vivemos… As Forças, tradicionais avalistas do chamado “apelo da pátria”, deveriam ser as primeiras a abrir mão de tais necessidades pelo momento. Sobre isso o sensato Rodrigo Maia cunhou frase premonitória: “Imagine se o Presidente vai assinar proposta em que os recursos da Defesa sejam maiores do que os da Educação ou Saúde emergencial. Não faz nenhum sentido”.

De fato, não faz mesmo. Como também sentido algum faz o Presidente clamar aos supermercados pelo patriotismo para evitar a alta da cesta básica. O apelo baterá em ouvidos moucos, como tantas e tantas já bateu ao se alçarem as arapucas da inflação, que ameaça irromper em cada temporada de vacas magras e gastanças gordas, a pior tragédia que o país já experimentou, em especial nos governos antes do real, como os de Sarney, Collor e Itamar.

Um governo novo como o de agora ainda não viveu, esperamos todos jamais vivermos, a agonia da espiral inflacionária, que já nos ronda, ao esboçar-se sub repticiamente em forma de câncer que vai minando todo o corpo. Tabelamento, em caso da possível negação empresarial ao apelo patriótico? Nem pensar, por tudo de solução errática que já provocou.

Não há como empunhar palavra mais veemente para insistir em motores mais ágeis para fazer nosso trenzinho trilhar com a velocidade necessária às aflições do país nessa emergência. E à beira de ser arrastado a um despenhadeiro. A palavra é uma única – Reformas, sempre acolitada pelo adjetivo – Urgentes.

A reforma administrativa, enviada finalmente ao Congresso, já está sendo analisada. Como todas, exigindo, aí sim, patriotismo e bom senso dos deputados e senadores. Mas sobretudo do Presidente. Que impõe sustos e contrariedades ao país ao se avocar protetor de classes, categorias e grupos. Como ocorreu na Previdência, para claríssima contrariedade de Paulo Guedes.

Creio que todo o país há de clamar ao Capitão que contenha seus ímpetos e rompantes por agora. Inclusive os eleitorais. Para entrar na história com pé direito e honrar sua biografia com ornamentos definitivos. E não temporariamente perdulários. Só assim, ele saltará de condutor do Trem Maria Fumaça para o Trem Bala.

E falando na velha Maria Fumaça. Ela espalhou há dias negra fuligem nos costumes políticos do Rio, meu pobre Rio, pela viagem tosca que trilhou o Prefeito Crivella, criando o absurdo, o impensável, a quadrilha dos guardiões em portas de hospitais, tentando o impossível, esconder da imprensa os mal feitos e os pecados da gestão do município. Sequer tenho ânimo para tecer comentários, tamanho o absurdo…

Resta-me repetir verdades eternas de Ferreira Gullar, que as carapuças logo se encaixam. “Sei que a vida vale a pena. Mesmo que o pão seja caro e a liberdade pequena…” ou “Metade de mim é o que grito. A outra metade é o que silencio.”

P.S: Ao lado de Gullar, saúdo daqui Caetano Velloso no Festival de Veneza. Dignidade em dó maior.


RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin,  Colunista e Membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da Imprensa Livre.