Redação

Em uma de suas últimas decisões no cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o decano e relator, Marco Aurélio Mello, levou ao plenário virtual – plataforma em que os votos são depositados à distância no decorrer de uma semana – ação movida pelo PSOL que pede o reconhecimento de omissão do Congresso em discutir taxação de grandes fortunas.

Com início na última sexta-feira, 25, o julgamento poderá terminar somente no dia 2 de agosto. A expectativa, porém, é de que pedido de vista (mais tempo para análise) seja apresentado e suspenda a votação por tempo indeterminado, conforme apurou o Estadão. O pedido se daria por haver a compreensão entre alguns dos ministros de que o momento não é propício para levar o Congresso a votar a lei complementar requerida pelo PSOL.

CRISE É AGUDA – O relator, no entanto, compreende ser necessária a análise do tema no plenário da Corte dada a situação socioeconômica do País. “A crise é aguda”, escreveu Marco Aurélio no despacho que levou a pauta ao plenário virtual. “Ante o cenário de crise econômica, a não instituição do imposto sobre grandes fortunas, considerado o potencial arrecadatório, revela omissão inconstitucional”, diz a ementa da ação no STF. O decano já sinalizou que reconhecerá em seu voto a conduta omissa do Legislativo.

A Constituição Federal determina em seu artigo 153 que caberá ao Poder Legislativo a criação de lei complementar para regular o imposto sobre grandes fortunas. Com base no texto constitucional, o PSOL destaca o fato de, em mais de três décadas, o Congresso não ter se prontificado a votar projetos sobre o tema.

A ação movida pela sigla de oposição surge num momento em que diversos países do mundo discutem mudanças tributárias com a inclusão de alíquotas mais progressivas.

EUA SE ADIANTAM – No Estados Unidos, o partido Democrata, ao qual pertence o presidente Joe Biden, propôs em março deste ano a criação de imposto sobre “ultra-milionários”, com taxa anual de 2% sobre o patrimônio líquido de cidadãos e fundos que possuam rendimentos entre US$ 50 milhões e US$ e 1 bilhão.

Em dezembro de 2020, o Congresso da Argentina aprovou a cobrança de impostos de até 3,5% sobre o total do patrimônio líquido de pessoas com um patrimônio de pelo menos US$ 3,4 milhões. O mesmo ocorreu na Bolívia, onde qualquer pessoa que possua mais de US$ 4,3 milhões em ativos será taxada entre 1,4% e 2,4%, a depender do montante da fortuna.

No Brasil, a proposta de sobretaxar os mais ricos enfrenta resistência jurídica da Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR). Ambas argumentam ser facultativo o cumprimento das atribuições do Congresso nesta pauta prevista na Constituição.

LEGISLADOR POSITIVO – Tanto a PGR quanto a AGU avaliam ser inadequada a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, pois estaria o Poder Judiciário incorrendo em atuar como “legislador positivo”, com “intensa atividade normativa sobre o assunto”, já que existem projetos de lei em andamento no Congresso, portanto, não cabendo ao Supremo fixar prazo para o Legislativo agir.

De acordo com o ministro Marco Aurélio, “não cabe ao Supremo, sob pena de desgaste maior, determinar prazo voltado à atuação do Legislativo”. Reconhecida a omissão pelo STF, é dever do Legislativo tomar as providências no prazo de trinta dias.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), declarou em outubro de 2019 – mês em que a petição do PSOL foi protocolada no Supremo – que um projeto de lei complementar, com disposições regulatórias sobre a criação do imposto, estava pronto para ser levado a votação no plenário. O texto, porém, nunca foi votado.

CONTRAMÃO DO MUNDO – Para Jefferson Nascimento, doutor em direito internacional pela Universidade de São Paulo, ao não votar a lei complementar regulando o imposto sobre grandes fortunas, o Brasil “anda na contramão do mundo”. “Compreendo que estamos numa situação de anormalidade por conta da pandemia, no qual os riscos estão modificados, mas isso afeta o mundo todo e esse debate ocorre em outros lugares, como na Colômbia, mas aqui tem patinado”.

Nascimento, que é coordenador de Pesquisa e Incidência em Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, organização não governamental dedicada à atuação contra a desigualdade e erradicação da pobreza, diz reconhecer que o imposto sobre grandes fortunas, adotado de forma isolada, não vai mudar a característica da arrecadação de impostos para tornar o sistema mais progressivo, ou seja, em que os ricos pagam proporcionalmente mais impostos.


Fonte: Estadão