Por Lincoln Penna

Tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para
Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para não, não para
(Cazuza, O tempo não para)

Matéria prima do historiador, o tempo obedece a inúmeras dimensões. Próprias para que entendamos as suas configurações em seu desenrolar. Tempo curto ou médio ou ainda longo, em todas essas representações figuram as ações do ser humano quando o estamos a situá-lo na história da humanidade. A história não é uma narrativa avulsa. Ela é um processo social.

Não vou me deter nessa vasta elucubração a respeito dos tempos diferenciais e de sua apreensão nas diversas culturas, que os entendem cada qual ao seu modo. Quero referir-me ao nosso tempo de hoje, imerso que estamos diante de sérios desafios. E estes se manifestam de várias maneiras a começar pela sua expressão política.

É na dimensão da política que se consegue captar os projetos que embalam os interesses das classes dominantes mundo a fora. Assim foi no passado remoto, quando os grandes impérios impuseram seu poder sobre vastos territórios, da mesma forma por ocasião da expansão capitalista que produziu a emergência de potências que ampliaram seu poder, tal como ocorreu com a Inglaterra.

No contexto dessa expansão capitalista modernamente ocorreu a mais recente forma de dominação extraterritorial, o imperialismo norte-americano que dispensava a ocupação de territórios de vez que já dentro do processo de exportação e exploração do capital exercia a sua dominação. Tanto o exemplo da ocupação colonial como o da dependência são exemplos clássicos que dispensam maiores comentários.

Aplicado a formações nacionais, o conceito de tempo merece ser examinado com o apuro de quem deseja compreender sua trajetória. No caso brasileiro, o tempo é superposto por etapas que se acavalam com o de tempos passados a permanecerem intactos praticamente. Dessa forma, convivemos com situações que a marcha dos acontecimentos deveria expulsá-los.

Tome-se como exemplo a escravidão, pois sua presença nos tempos atuais, a par da questão meramente legal, ou seja, a da sua extinção, permanece como uma cultura fortemente impregnada, daí o racismo se manifestar com frequência recorrente.

Esses tempos que reúnem passados e presente numa conjunção a revelar o traço perverso de uma sociedade de desiguais, costumam resultar em permanentes conflitos nem sempre contidos pelos aparelhos repressivos do Estado. Sem a presença ostensiva da contestação tem acontecido o surgimento e a ampliação de formas extralegais de caráter milicianas a se situar em áreas onde se encontram essas desigualdades crônicas e dela tirar proveito.

A coexistência de um capitalismo tardio e associado às esferas centrais do estágio neoliberal dessa economia que comanda o mundo tem produzido a ampliação do fosso da desigualdade social, cujo aprofundamento tende a situações novas de confronto junto à tendência de crises sistemáticas em decorrência do descaso para com a própria segurança ambiental em risco permanente.

Com isso, a junção de reações sociais desatinadas, porque desorganizadas pela fragilidade das forças sociais em declínio, com a emergência mais regular de crises pandêmicas como a que estamos ainda a acompanhar, configura um tempo de graves desafios a serem vencidos. O pior é que o bom senso, a ciência como vetor para a resolução de problemas e a capacidade de exercício de lideranças capazes de reexaminar as relações entre os povos parece ser colocadas de lado, a favor de interesses redimensionados e a comandar o destino da humanidade.

O tempo não para, como diz a letra da música que consagrou o tempo como estando presente em nossa existência e em nossos sonhos. Mas para que sua rota venha a atender minimamente o interesse maior, que é o dos povos amantes da paz e da integração harmoniosa é preciso desde já que tenhamos pressa na solução das ameaças que presentemente enfrentamos cada qual em seus nichos, onde devem brotar as ideias e as aspirações de um mundo melhor para todos.

No momento, no Brasil prevalece o tempo da resistência ao retrocesso, que como sempre implica no desejo insano de voltar-se para os tempos tenebrosos da ditadura como solução imediata para os problemas, numa falsa e destemperada argumentação de gente que teme a ascensão das massas empobrecidas. Tempo de resistência e de parceria das forças que devem se unir em nome do valor civilizatório, que uma vez restabelecido volte a ensejar as disputas em torno do que fazer com um país dilacerado pelo ódio e o desprezo das classes dominantes e de seus testa de ferro.

Tempo haverá para ajustar as contas com quem desuniu o povo, reagiu contra o novo amanhecer e por isso tem ameaçado o futuro. Que é o tempo a ser descortinado pelos que amam a liberdade em seu sentido mais verdadeiro, o sentido da libertação de toda sorte de amarras a reprimir as manifestações sadias do povo.

Abramos as asas para o novo tempo. Ele está sendo gestado e não demora muito vai surgir trazendo consigo todas as esperanças reunidas faz tempo.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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