Por Francisco Carrera –
Falar de saneamento no Brasil e algo que sempre despertou o interesse não apenas público, como também de instituições privadas, principalmente porque trazem ações que demandam investimentos de grandes montas.
De outra sorte, há tempos ouvimos o velho ditado popular de que ”esgoto encanado não gera votos, pois a obra fica escondida”. Ocorre que o País tem a obrigação de atender as recomendações internacionais de instituições de referência, tais como a OMS, PNUD e muitos outros órgãos vinculados as Nações Unidas. O atendimento aos parâmetros nos posiciona internacionalmente em uma situação de boa credibilidade em governança pública e nos conforta sobre o aspecto da possibilidade de boas parcerias comerciais e infra estruturais, objetivando o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável- ODS das Nações Unidas. A acompanhar a evolução cientifica e tecnológica na área de saneamento, o Brasil permite de forma mais participativa, uma boa adequação no cenário, principalmente pelo fato de que importantes leis foram publicadas com o intuito de se selar, de forma definitiva, as lacunas existentes nas áreas de recursos hídricos e de resíduos sólidos.
A primeira foi a Política Nacional de Recursos Hídricos, trazida pela Lei n. 9.433 de 1997, que alterou por completo o sistema de gestão e tratamento jurídico da agua, assim a considerando como um recurso natural limitado e com valor econômico. Esta Lei, descentralizou por completo a gestão dos recursos hídricos, atribuindo característica participativa e democrática na gestão destes recursos. Os comitês de bacias hidrográficas e as agências de água, até os dias atuais garantem a boa participação da sociedade civil e das instituições governamentais envolvidas. A instituição de cobrança pela outorga dos recursos hídricos também foi outro instrumento jurídico e econômico que direta e indiretamente promoveu uma mudança radical na abordagem e tratamento deste bem público de fundamental importância a nossa vida. A formação de condomínios de contribuintes para as bacias hidrográficas, garante a todos os dias a boa gestão dos recursos e a efetiva fiscalização na sua destinação. Comitês de fundamental importância para alguns cursos hídricos da Região Sudeste tais como o do Paraíba do Sul, reúnem importantes aglomerados empresariais e contribuintes, com condições de sanarem inúmeros problemas afetos a temática do abastecimento.
De outra sorte, por mais que tenhamos estes comitês de referência, estas regiões ainda atravessam por graves problemas hídricos, principalmente em época de escassez. Em que pesem as políticas existentes, chega a ser risível, que ainda dependamos de condições climáticas e índices de pluviosidade para conduzirmos de forma tranquila a boa política de recursos hídricos. Contudo, não paramos por ai. A Lei n. 9.605/98, (Lei de crimes ambientais), de um lado, prevê o crime de poluição hídrica, com pena de 01 a 05 anos de reclusão para aqueles que causarem poluição hídrica a ponto de interromper o abastecimento público.
De outra sorte, a Lei 943/97, de outro lado, autoriza a concessão de outorga para a conduta de ”lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final”. Ora, de um lado a legislação autoriza, e de outro a legislação pune, inclusive para o lançamento de esgoto não tratado em corpo hídrico. É claro que o volume de agua do corpo hídrico destinatário do esgoto não tratado, deve ter volume o suficiente para diluir o esgoto lançado. Mas mesmo assim, para o cidadão leigo, esta lacuna legal, poderá ensejar práticas ilegais indesejadas, podendo, inclusive, comprometer políticas públicas.
Afinal, a famosa “vala negra” já não ganha mais espaço na grande mídia.
Além da temática hídrica, para falarmos de saneamento, também não podemos esquecer da Lei n. 12.305 de 02 de agosto de 2010, que criou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, um outro marco de grande importância na área de saneamento no Brasil. Esta política de maneira também desafiante, trouxe um outro importante compromisso para os gestores públicos nacionais. O mais emblemático, foi a meta audaciosa de se eliminar os lixões no Brasil.
Outra importante ação, que ganhou muito resultado em muitas Cidades do País, foi a Coleta Seletiva, que enfatizou o regramento da cadeia da reciclagem, ora empreendendo muitos catadores de resíduos sólidos informais, ora fomentando a geração de trabalho, emprego e renda no setor. Outro importante fator foi a implementação da Logística reversa, que obriga aos produtores, comerciantes e industrias que lancem no mercado produtos que possuem vida útil, se obriguem a realizar o recolhimento ou ainda a destinação correta dos mesmos para que possam substituídos por outros mais avançados tecnologicamente ou ainda levados a reciclagem ou até mesmo a reutilização. Esta destinação deve ser realizada mediante a assinatura de acordos de cooperação técnica entre empresas e o próprio poder público federal.
Em que pese a louvável iniciativa, a política de resíduos sólidos não pode caminhar sozinha.
Deve estar associada a Política Nacional de Educação Ambiental, criada pela lei n. 9.795/99. Atualmente, segundo dados do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento – SNIS, até 2019, 79,5% da população do Sudeste Brasileiro possuía tratamento de esgoto. Sendo a média Nacional de 54,1%. Despoluir praias, lagos, lagoas e lagunas, não é exemplo de política pública correta. Afinal, de que adianta se vangloriar de que estão limpando praias, se nos dias seguintes continuam a lançar resíduos sólidos nestes corpos hídricos. Na verdade, deveriam se vangloriar de NÃO MAIS TEREM DE LIMPAR PRAIAS. Afinal, a ação de limpar praias e corpos hídricos, é prova de que a política está falhando em seus resultados. E certamente de gerar patrocínios e destaque de falsos apoios midiáticos.
De que adiante tirar fotografias com sacos de lixo nas mãos, se no dia seguinte, o sujeito não repete a ação?
Destaco aqui uma importante notícia de bons resultados de política pública para o saneamento, que pode ser conferida na despoluição da Laguna de Araruama, no Estado do Rio de Janeiro. Esta lagoa já foi um verdadeiro antro de esgoto sem tratamento e de algas que emitiam um odor fétido que incomodava a todos, a exemplo das lagoas da Barra da Tijuca hoje. Felizmente, fruto de um processo efetivo de despoluição conduzidos pelos Comitês de Bacia locais, e ainda pelas políticas Públicas do Governo do Estado do Rio de Janeiro e pela efetiva participação dos municípios, hoje já podemos encontrar cavalos marinhos e linguados na lagoa, além de pescadores extremamente satisfeitos com a prosperidade e abundancia de peixes. Além da beleza cênica e da cristalinidade da água da Laguna. Certamente um case a se comemorar com importantes empresas de saneamento e tratamento de água da região. Tal cenário constitui uma imagem exatamente oposta ao que hoje encontramos na Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro, em especial nos bairros da Barra da Tijuca, Recreio do Bandeirantes e Jacarepaguá.
Por ali, os moradores dos condomínios são obrigados a fechar suas janelas e a ligar aparelhos de ar condicionado, (consumindo mais energia elétrica), para se livrar do mal cheiro das lagoas, que atualmente estão totalmente assoreadas e poluídas em sua maioria por esgotos sem tratamento, ora vindo de áreas e comunidades de baixa renda, e ora vindo de condomínios de administração irresponsável, que desligam suas Estacoes de Tratamento de Esgotos durante a noite para economizarem energia. Lado a lado desta situação, a Cidade do Rio de Janeiro e seus quase 7 milhões de habitantes possui apenas uma única estação de tratamento de agua (ETA Guandu), que volta e meia, sofre com o assoreamento de seus cursos d’água contribuintes e lançam geosmina e mal cheiro na torneira dos habitantes desta Região Metropolitana.
E isto em pleno século XXI, e ainda na vigência da atual Lei do Marco do Saneamento Básico. Certamente risível a vista de países e visitantes estrangeiros.
Atualmente, em linguagem de segurança, inclusive de Estado, a dependência única e exclusiva de uma Estação de Tratamento de Água é muito preocupante. Certamente uma porta aberta para oportunidades terroristas. Fácil seria o envenenamento da agua e com isto boa parte dos habitantes da Cidade do Rio de Janeiro estariam em risco. (Ora, se chega geosmina, por que não poderia chegar veneno?). A distribuição de água da Cidade deveria ser vigiada 24 horas por alta segurança.
Por fim, não poderíamos deixar de lado o tema que mais motivou este artigo, ou seja, o marco do saneamento, trazido à baila pela Lei n. 14.026/20 que alterou a Lei n. 11.445/07, que nos trouxe como metas a serem cumpridas, importantes alvos, tais como conseguir que 99% da população tenha água potável em casa até dezembro de 2033, assim como 90% da população tenha coleta e tratamento de esgoto até dezembro de 2033, além da diminuição do desperdício de água e respectivo aproveitamento da água da chuva, e ainda o estímulo de investimento privado através de licitação entre empresas públicas e privadas. A lei também nos traz como meta o fim do direito de preferência a empresas estaduais e a fundamental determinação de que se estas metas não forem cumpridas, as empresas poderão perder o direito de executar o serviço. Desta forma, nada disto foi determinado sem referências, pesquisas e demais informações, colhidas ao longo destes anos. Na verdade, esta nova lei surge com o objetivo de se estabelecer MARCOS, PRAZOS e METAS, atingíveis, não apenas princípios e valores meramente utópicos.
Na verdade, estava na hora de deixarmos para trás, dados e informações tristes na área do saneamento, e por fim, entendermos a palavra SANEAMENTO como uma questão que não mais se restringe ao BÁSICO, mas sim ao AMBIENTAL!
1 http://www.snis.gov.br/painel-informacoes-saneamento-brasil/web/painel-esgotamento-sanitario
FRANCISCO CARRERA é advogado, mestre em direito da Cidade pela UERJ, Membro da União Brasielira da Advocacia Ambiental – UBAA, pós graduando em Paisagismo Urbano pela Faculdade Metropolitana de São Paulo, escritor, professor de Direito Ambiental e Agro Negócio do IBMEC, Professor de Direito Ambiental da Escola de Magistratura do Rio de janeiro – EMERJ, Coordenador do Curso de Pós Graduação da Faculdade AVM/UCAM, pós graduado em Auditoria e Perícias Ambientais, especialista em serviços ecossistêmicos, professor da Escola Superior da Advocacia – ESA, Presidente da Comissão de Direito Municipal da OAB-RJ , Membro da Comissão de proteção e Defesa dos Animais da OAB-Conselho Federal, foi professor Convidado do MBE em Meio Ambiente da COPPE/UFRJ, é Coordenador Geral da Biodiversidade da Secretaria do Ambiente e Sustentabilidade do RJ – SEAS, É Membro da Comissão de Direito Agrário e Urbanístico do IAB-RJ. Autor de diversas obras de Direito Ambiental e Urbanístico. É coordenador de biodiversidade da Secretaria do Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Rio de Janeiro e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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