Por Miranda Sá

Ao lembrar a genialidade do jornalista Sérgio Porto (que nos faz ter saudades do antigo jornalismo), nos deixou como herança uma canção satírica, Samba do Crioulo Doido, composta por ele para o Teatro de Revista sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta.

A letra é uma overdose de ironia, voltada para a obrigatoriedade imposta pelo Departamento de Turismo da Guanabara aos compositores de sambas-enredo de abordarem apenas temas da História do Brasil, que terminou por criar disparates.

Imaginem: No enredo, Sérgio Porto descreve como Chica da Silva obrigou a Princesa Leopoldina a se casar com Tiradentes e este, depois eleito como Pedro Segundo, procurou o padre José de Anchieta para juntos proclamarem a escravidão…

A canção foi inicialmente interpretada pelos Originais do Samba e gravada pelo Quarteto em Cy e os Demônios da Garôa. Tornou-se tão popular que o título foi usado como expressão designando coisas sem sentido e textos sem nexo. Cortando-a em partes, como Jack Estripador, temos as palavras “Samba”, “Crioulo” e “Doido”, três temas de estudo.

O samba, como estamos cansados de saber, é um gênero musical de raízes africanas, cuja origem é disputada pela Bahia e Rio de Janeiro, por ser uma das mais importantes manifestações culturais brasileiras. Deve-se ao Governo Vargas o decreto de sua classificação como Música Nacional do Brasil.

Assim, desde a década de 1930, o samba chegou a todas as regiões do país através de agremiações carnavalescas, organizações de carnaval, e sambistas, entre os quais se destacaram como desbravadores Heitor dos Prazeres, João da Baiana, Pixinguinha, Donga e Sinhô.

Depois do Samba, vem o Crioulo, palavra cuja etimologia se refere na América Espanhola a descendentes de europeus nascidos na colônia e mestiços de brancos com indígenas e negros. No Brasil o termo de origem portuguesa foi usado como sinônimo de negro ou de mulato, e depois a qualquer homem negro.

O vendaval maléfico do politicamente correto, de chamar alguém de crioulo é considerado capciosamente como racismo, uma maneira de diminuir um negro, coisa do racismo às avessas, o vitimismo e a herança da “dívida histórica” importados dos EUA.

Como o politicamente correto é uma manifestação absolutamente cretina, um distúrbio mental que chegou ao cúmulo de condenar o uso da palavra “homem” para gênero, porque para esses psicopatas o gênero é uma decisão individual.

Assim chegamos ao terceiro verbete, “Doido” que é dicionarizado com rica sinonímia, em três categorias, como louco, imprudente e apaixonado… É, na verdade a qualidade de quem se comporta insensatamente; que não tem juízo.

Assim, em tempo de “politicamente correto” com as palavras submetidas ao patrulhamento pseudo-ideológico, vamos adotar o Samba do Afro Descendente para vender o nosso peixe.

Ontem, acordei no meio da noite – o que não é de meu costume – e ligando a tevê assisti ao desfile de uma Escola de Samba, não importa o nome, e acompanhei perplexo um roteiro que foi de um centurião romano, passando pela revolução francesa, chegando à escravidão no Brasil, com um papa estilizado conduzindo a bateria…

A globalização do tema não ficou muito diferente dos tempos de Chica da Silva e da Princesa Izabel…


MIRANDA SÁ é jornalista, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã. Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.