Por Kakay –
“Quem confunde céu e água acaba por não distinguir vida e morte.”
–Mia Couto.
Não pretendo aqui analisar a vitória de Trump nas eleições e o desastre que significa a volta da extrema-direita ao governo dos EUA. A minha reflexão e angústia são exatamente do que nós fizemos das nossas vidas nos últimos tempos.
Tenho andado perplexo pelo desenrolar, na nossa sociedade e na norte-americana, da maneira como as invasões do Capitólio e das sedes dos Três Poderes no Brasil impactaram –ou não impactaram– as pessoas nos 2 países.
A sociedade norte-americana é reconhecidamente estranha. Quase bizarra. Uma sociedade, na média, muito aquém do poderio financeiro, econômico e militar daquele país. A impressão que se tem, tirando algumas ilhas de excelência, é que o tal sonho norte-americano há muito virou pesadelo.
Um desclassificado como este Trump parece realmente representar a grande massa dos norte-americanos. É constrangedor. A maneira com que ele trata as questões mais sérias, de fundo, cria uma impressão de uma sociedade que preferiu se anestesiar e viver de provocações rasteiras e propostas misóginas, xenófobas, racistas. Vulgares.
Todo o orgulho norte-americano foi pelo ralo com a não punição da invasão ao Capitólio.
Ficou fácil constatar que o governo dos EUA usa a força bélica e econômica para expandir e manter suas garras mundo afora, mas optou por não ir a fundo para punir um ex-presidente que atentou contra a democracia do próprio país.
Logo aquela pretensa democracia que faz essa população arrotar prepotência e arrogância. Interesses outros fizeram que nada de fato acontecesse. O ex-presidente até aproveitou o episódio para voltar mais forte e fanfarrão. A cara dos norte-americanos.
No Brasil, a tentativa de golpe só deu ruim para os bolsonaristas do baixo clero. Desses bem ridículos, que marchavam em frente aos quartéis, batiam continência para pneus, acreditavam que a terra era plana e que o Bolsonaro iria dar um golpe e, junto com os militares, patrocinar a volta da ditadura. Eram grupelhos formados por gente muito desqualificada e sem nenhuma capacidade de reflexão e análise.
Não li a defesa deles, mas não sei por que não alegaram plena e total incapacidade de entendimento da realidade. A cadeia é um local onde, certamente, eles não entendem o motivo pelo qual estão lá. E vão ficar anos à espera do cabo e do jipe que vão fechar o Supremo e, depois, libertá-los.
Impossível não lembrar o genial professor José Geraldo de Sousa Júnior que, ao ser inquirido em CPI por uma deputada bolsonarista, disparou que não tinha como discutir com a congressista, afirmando que:
“[…] Sua visão de mundo, sua percepção só lhe permite enxergar o que a senhora já tem escrito na sua cognição […]. A senhora vai ver não o que existe, mas é o que a senhora recorta da realidade”.
Agora, um grupo de congressistas brasileiro está de malas prontas para os EUA, como quem vai à “casa-grande” pedir benção e prestar contas das bizarrices tupiniquins. Há um movimento, sem pé e nem cabeça, que acredita que a força norte-americana tem que libertar os pés rapados que pagaram o pato, apoiar a volta ao governo do inelegível e acabar a obra inacabada de fechar o Supremo e prender o ministro Alexandre de Moraes.
Esse é um capítulo à parte: a fixação obsessiva pelo ministro Alexandre. É digna de ser estudada.
Parece que toda a imagem que faziam de um Bolsonaro super-homem, forte e corajoso ruiu e, no imaginário bolsonarista, essa figura heróica foi substituída pela presença magnética do ministro do Supremo. Bolsonaro se revelou um mané que vive se internando, inchado e chorando pelos cantos sem coragem de enfrentar seus processos.
Recentemente, numa cena dantesca, gravou um vídeo pedindo para o presidente Lula coordenar uma campanha de anistia. Seria cômico, se não fosse ridículo. Não há 1 segundo de dignidade nos bolsonaristas.
Quem não se lembra da altivez do presidente Lula encarando de frente os 580 dias de um cárcere injusto e covarde? Sem perder a postura de estadista. Sem perder o orgulho de ser um líder.
E Bolsonaro parece um covarde que só pensa em como se livrar da responsabilidade dos crimes em série que cometeu.
De fato, há movimentos preocupantes nesta sociedade brasileira que se revela com uma identidade mórbida com parte da sociedade norte-americana. Agora, a extrema-direita no Brasil quer patrocinar uma anistia para os que ousaram tentar o golpe e instituir a ditadura no país. Tentaram de maneira atabalhoada e querem usar a própria incompetência para defender que não era um golpe sério. Só seria sério se desse certo. Realmente constrangedor.
A força da ultradireita no mundo todo faz com que tenhamos que redobrar os cuidados. Nas eleições municipais, foi possível observar que o país ainda anda pelas tabelas. E não devemos desprezar os movimentos dessa gente sem limites.
Como olham para a matriz e percebem que o líder deles não foi punido, acham-se no direito de propor uma anistia mesmo para os que não foram indiciados, processados e condenados.
Não é bem uma anistia. É um salvo conduto para tentar, outra vez, derrubar a democracia e instaurar a ditadura. Vai que uma hora dá certo.
Lembrando-nos de Miguel Torga:
“Omal de quem apaga as estrelas é não se lembrar de que não é com candeias que se ilumina a vida”
ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 67 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros.
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