Redação

Documentos do estudo clínico da vacina contra o coronavírus desenvolvida pela farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca em parceira com a Universidade de Oxford mostram que pesquisadores da instituição de ensino foram responsáveis pelo que eles chamaram, no estudo, de “um erro de cálculo de potência” na dosagem do imunizante durante os testes. O erro aconteceu quando foi administrado aos participantes do estudo meia dose da vacina e, um mês depois, uma dose completa.

A agência Reuters apurou quais foram os erros no desenvolvimento do imunizante da Oxford/AstraZeneca. O veículo revisou centenas de páginas dos arquivos do estudo clínico e entrevistou pessoas envolvidas no desenvolvimento e no registro do imunizante.

O chefe da operação responsável pela vacinação nos Estados Unidos, Moncef Slaoui, disse na 4ª feira (30.dez.2020) que o imunizante da Oxford/AstraZeneca deve ser aprovado só em abril deste ano. Ainda há dúvidas sobre a eficácia da vacina em idosos. Isso impede que a vacina seja aprovada antes, segundo ele.

A aplicação da vacina ainda não foi autorizada no país, mas o imunizante é a principal aposta do governo federal. A intenção é produzir 100 milhões de doses do composto até o 2º trimestre deste ano. A vacina da Oxford/AstraZeneca já foi aprovada no Reino Unido (30.dez.2020), na Argentina (30.dez.2020) e na Índia (3.jan.2021).

A vacina da Oxford/AstraZeneca gerou muita expectativa. Em 23 de novembro de 2020, o anúncio de que a eficácia do imunizante chegaria a 90% foi visto com otimismo. No dia seguinte, o Dow Jones, índice da Bolsa de Wall Street nos Estados Unidos, fechou pela 1ª vez na história acima de 30.000 pontos, estimulado pela notícia e pela transição do governo Trump para o do democrata Joe Biden. O Ibovespa, principal índice da B3 (Bolsa de Valores de São Paulo), também registrou forte alta. Fechou aos 109.786 pontos, maior patamar desde 21 de fevereiro daquele ano.

Contudo, logo em seguida ao anúncio, a Oxford e a AstraZeneca passaram a ser questionadas. O motivo: a eficácia ficou em 90% quando os participantes receberam meia dose da vacina e, um mês depois, uma dose completa. Quando foram aplicadas duas doses completas, também com 1 mês de diferença entre elas, a eficácia caiu para 62%. A aplicação de metade da dosagem, que resultou em 90% de eficácia, teria sido feita por erro e não teria sido comunicada devidamente.

Até dezembro, 1.367 participantes do estudo clínico da vacina –nenhum deles acima de 55 anos– receberam a combinação de meia dosagem/dosagem completa. Duas doses completas foram dadas a 4.440 adultos participantes, de todas as idades.

A Oxford disse à agência de notícias que o estudo clínico foi conduzido “sob os rigorosos requerimentos nacionais, éticos e regulatórios“. A universidade também disse que todos os protocolos e emendas do estudo foram submetidos à revisão e aprovação das autoridades competentes e todos os dados de segurança revisados ​​regularmente pelos reguladores de vacina.

Saiba como foi o processo e quais foram os erros no desenvolvimento da vacina Oxford/AstraZeneca, em ordem cronológica, segundo a apuração da Reuters:
  • 11 de abril de 2020 – Sarah Gilbert, uma das chefes da pesquisa da vacina em Oxford disse ao britânico The Time estava 80% certa de que seu time produziria uma vacina bem-sucedida, possivelmente em setembro. A declaração foi dada 12 dias antes do começo dos testes de segurança da vacina.
  • 23 de abril de 2020 – começo dos testes em humanos da vacina;
  • Maio de 2020 – documentos da Oxford (publicados em dezembro na revista científica The Lancet) mostram que, em maio, os pesquisadores receberam o lote K.0011 das vacinas vindas da fabricante italiana IRBM/Advent, uma das empresas contratadas pela universidade para ajudar na produção. A vacina tinha passado pelos testes da fabricante para mostrar a quantidade do material viral por mililitro. A fase avançada do estudo clínico estava prestes a começar e a universidade resolveu realizar seus próprios testes –com metodologias diferentes. As análises de Oxford mostravam que a quantidade de material viral nas vacinas daquele lote era maior. A universidade resolveu usar seu parâmetro de testagem e pediu para o órgão regulador britânico (Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde, MHRA na sigla em inglês) autorização para reduzir o volume de dosagem nos participantes do estudo clínico que receberiam a vacina desse lote. A autorização foi concedida. Os participantes que receberam as doses desse lote tiveram efeitos colaterais mais brandos que os outros;
  • Maio de 2020 – documentos da Oxford publicados em dezembro mostram que o teste de material viral feito pela universidade teve problemas. O emulsificante polissorbato 80 foi usado para facilitar a mistura. Mas esse produto usado no medidor de material viral causou um resultado diferente do real, o que levou a universidade crer que a dosagem estava errada e pedir para dar meia dose nos participantes;
  • Maio e junho de 2020 – Oxford entra em contato com o órgão regulador britânico e pede para trocar seu método de medição do material viral para o método usado pelos italianos. Também pergunta à entidade como proceder com um estudo clínico avançado em que os participantes receberam erro de dosagem. No começo de junho, o órgão dá aval para que a meia dosagem seja continuada, mas pede que um novo grupo receba a dosagem completa;
  • 5 de junho de 2020 – pesquisadores da Oxford fazem alterações anotadas em um documento marcado como confidencial, adicionando um novo grupo de participantes no estudo clínico. Os novos voluntários receberiam a dosagem correta e não metade;
  • 17 de novembro de 2020 – um dos documentos publicados na The Lancet nomeado “Plano de Análise Estatística” traz essa data. O documento afirma que houve “um erro de cálculo de potência” ao descrever a diferença de dosagem;
  • 23 de novembro de 2020 – a Oxford e a AstraZeneca anunciam a eficácia de 90%, quando os participantes receberam meia dose/dose completa, e 62%, com as duas doses completas. Pesquisadores de Oxford dizem não ter certeza porque a meia dosagem teve melhor desempenho. O primeiro-ministro britânico chama o estudo de brilhante;
  • Novembro a dezembro de 2020 – o vice-presidente executivo da AstraZeneca Mene Pangalos disse à Reuters que a dosagem foi medida incorretamente e chamou de “acaso” o fato do combo meia dosagem/dosagem completa ter mais eficácia que duas doses completas. Os cientistas que lideram as pesquisas pela Oxford, Sarah Gilbert e Adrian Hill, dizem que não houve erro de dosagem. Eles dizem que não foi uma confusão e sim uma decisão consciente. Os dois têm 10% de participação na biotech privada Vaccitech. A empresa receberá parte da receita da vacina Oxford/AstraZeneca;
  • Dezembro de 2020 – a fabricante italiana IRBM/Advent diz à Reuters que não houve problema de fabricação no lote K.0011;
  • 8 de dezembro de 2020 – a Oxford publica análises provisórias dos resultados do estudo clínico e mais de 1.100 páginas de documentos suplementares na revista científica The LancetOs documentos dizem que a detecção da concentração do material viral é sujeita a enganos. As análises dão indícios do que ocorreu para que fosse feita a dosagem diferente, mas não indicam se a Oxford avisou a AstraZeneca do erro;
  • 30 de dezembro de 2020 – o Reino Unido aprova o uso emergencial da vacina Oxford/AstraZeneca. A agência é liderada por June Raine, médica que se formou em Oxford. Segundo a Reuters, o site da universidade mostra que ela faz doações, dá palestras e é voluntária na instituição.

Fonte: Poder360