Por José Carlos de Assis, com Paulo Lindesay

O Estado do Rio de Janeiro, como a maioria dos Estados da Federação, está quebrado pelo caixa, mas não pelo patrimônio. Seu ativo físico, empresas e outras entidades econômicas, está sendo dilapidado sobretudo por razões ideológicas privatistas, como é o caso da Cedae, não porque isso possa dar alguma ajuda a suas finanças. De fato, a justificativa é a necessidade de pagamento de dívidas. No entanto, elas são muito inferiores a seus créditos. Sérgio Cabral roubou muito, é verdade. Mas não foi isso que quebrou o caixa do Estado. Quem quebrou o Estado foi o governo federal.

É claro que houve tremendos desmandos internos, à margem dos problemas de corrupção. O principal deles foram as renúncias fiscais, privilégios financeiros concedidos a contribuintes, supostamente para manterem ou trazerem para o Estado empresas privadas, sem qualquer controle. Somaram R$ 218 bilhões em dez anos. Portanto, cerca de R$ 22 bilhões, sem correção monetária, deixaram de entrar no caixa estadual a cada ano. Esse dinheiro teria feito enorme diferença para atender às necessidades estaduais em áreas prioritárias como educação, saúde e segurança.

Mas isso ainda não é o mais grave. O pior foi o que deixou de entrar em caixa mesmo sem renúncia fiscal, o que entrou e teve que sair para pagamento à União por uma dívida inexistente, e o que deixou de entrar no caixa do Estado por conta de obrigações não cumpridas pelo Governo federal no que diz respeito à chamada Lei Kandir. Mas a principal sangria institucionalizada foi a dívida refinanciada pela infame Lei 9496/97, de cerca de R$ 13 bilhões no caso do Rio. Foram pagos R$ 27 bilhões até 2017 e restam a pagar R$ 78 bilhões. Escrevi sobre isso no livro “Acerto de Contas. A dívida nula dos Estados”, Ed MECS.

O acordo imposto nesse caso tem longa história. Em resumo se deveu a pressões do FMI para a liquidação ou privatização do Banerj, junto com outros bancos estaduais. Para isso acharam necessário transferir aos bancos privados e consolidar neles os títulos do Estado em giro na carteira do Banerj, privatizado pelo Itaú. É claro que os bancos privados não tinham a menor intenção de girar esses ativos. O Governo se comprometeu então a pagar esses títulos públicos à vista, repassando a dívida aos Estados a prazo de 30 anos, com juros de até 7% ao ano e correção monetária com o maior índice da praça, IGP-DI.

Isso foi uma violação do princípio federativo. A estrutura tributária do país integra União, Estado e Distrito Federal, e Municípios. Ao pagar os bancos com títulos públicos federais, o Governo criou um passivo para toda a sociedade, incluindo os contribuintes do Rio. Viola o princípio federativo que o Estado tenha que recorrer aos mesmos contribuintes estaduais para quitar uma dívida que os contribuintes da União, ou seja, eles mesmos, através de sua quota estadual de contribuintes, pagaram à vista.

Essa dívida nula tem o agravante de que são recursos que entram em caixa, e que tem que sair como pagamento ao Governo. Representa um desinvestimento cumulativo nos serviços públicos básicos e na infraestrutura estadual. O mais grave é o que a União faz com esse dinheiro: simplesmente o transfere para o superávit primário a fim de pagar o serviço da dívida pública. Isso tem efeito contracionista da economia e da receita pública, que reverte sobre as finanças de todos os Estados.

Ainda não é tudo. A grande expropriação dos Estados pelo Governo federal, incluído o Rio de Janeiro, é a retenção indefinida de créditos oriundos das isenções do imposto na exportação de produtos primários, estabelecidas pela Lei Kandir. Os Estados tem direito a cobrar o imposto, mas para isentar dele os exportadores o Governo federal se comprometeu a compensá-los financeiramente pela não tributação, o que não fez. Até 2017, a dívida acumulada junto a todos os Estados pela Lei Kandir somava R$ 637 bilhões. A referente apenas ao Rio, R$ 34 bilhões.

Estou destacando o Rio porque é o caso mais escabroso, junto com Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Estes Estados estão entregando sua soberania por conta de dívidas indevidas ou créditos sonegados. Em termos globais, os pagamentos feitos por conta do acordo de 1997, referente à dívida original de R$ 112 bilhões, se elevam a R$ 400 bilhões. Assim mesmo, restam a pagar R$ 548 bilhões. Não se trata mais de perdoar esse saldo; trata-se de ressarcir o pago indevidamente. Somado ao crédito da Lei Kandir, R$ 637 bilhões, atinge quase R$ 1,2 trilhão. É o que os Estados tem que espetar na conta da União, movendo o Congresso.

É um fundo que pode financiar um programa keynesiano de retomada do desenvolvimento de baixo para cima, eventualmente articulado pelos governadores a partir do Consórcio do Norte e Nordeste. E o Governo federal não precisa de se preocupar com a forma de pagamento: pode ser em títulos escalonados anualmente, articulados ao programa de desenvolvimento que vier a ser aprovado no Congresso Nacional junto com a decisão de que seja feito o próprio pagamento pela União.