Por Francisco Carrera

Uma proposta de revisão do conceito de sustentabilidade pós Pandemia de COVID-19.

Decorridos menos de 04 meses de reconhecimento oficial pela OMS da Pandemia do COVID-19, os seres humanos deste magnífico planeta azul estão sendo submetidos à inúmeras renovações conceituais. Alguns entendem como uma nova ordem mundial, outros observam os cenários de maneira crítica e entendem as alterações como um novo cenário na economia, e todas as áreas das ciências humanas e exatas, repensam seus princípios, métodos, conceitos e fundamentos.

Vista da trilha Transcarioca no Parque Nacional da Tijuca, Rio de Janeiro (Crédito: Luciola Vilella/MTur)

O Planeta Terra, e em especial os seus habitantes humanos, em que pese toda a vigilância e dependência dos satélites, toda a evolução da ciência e tecnologia, ainda não conseguiram controlar os efeitos de uma expressão natural do manifesto auto controle do Planeta às intervenções e influências das ações humanas sobre os sistemas naturais. Porém isto não é o bastante. A presença do vírus se caracteriza como mais uma pandemia, que paulatinamente será controlada e novas modalidades e cenários de vida humana se construirão. Assim o foi com muitas outras, e não será diferente com esta. Mas não é disto que estamos falando. Na verdade o que mais nos importa neste momento, é não apenas a reação dos seres humanos dos séculos XX e XXI a esta Pandemia. Mas a mudança comportamental nos diversos cenários das sociedades deste Planeta.

Conceitos tradicionais estão caindo por terra e se renovando. Comportamentos sociais que se destacaram em séculos passados estão ganhando espaço.

A vida e confinamento residencial está por sua vez resgatando valores, princípios e atitudes que já não víamos há tempos. E neste caminho também está indo a sustentabilidade e seus pilares. Não estão se esvaindo mas à luz do que assistimos em relação aos resultados, merece uma revisão não apenas conceitual, mas também cognitiva. Todos os acontecimentos travados durante a década de 70 do século passado, foram suficientes para nos convencer da necessidade de recondução conceitual para a ideia de desenvolvimento. Importantes movimentos foram essenciais para a transição do desenvolver a qualquer custo para o desenvolver de forma sustentável. Instituições ousadas e plenamente reconhecidas como titulares do saber ecológico e econômico, ganharam destaque. Nesta linha destacamos a Comissão Brundtland, o Clube de Roma, e a pitoresca Conferência das Nações Unidas para O Meio Ambiente e Desenvolvimento – UNCED- 72 em Estocolmo. De lá vieram novos conceitos, novas doutrinas, descobertas importantes, essenciais aos modernos conceitos de sustentabilidade que hoje trabalhamos em nossas relações jurídicas e socioambientais. Necessárias foram as contribuições de renomados autores como CARLSON, LOVELOCK, CAPRA, PRIEUR, SACHS, e muitos outros.

A imagem do Brasil no exterior está arranhada (Agência Brasil)

Na esteira dos poderosos princípios de regência do direito do ambiente como o da precaução, prevenção, poluidor pagador, desenvolvimento sustentável, educação ambiental, e muitos outros, a boa comunhão entre o social, o natural e o econômico, pautaram as decisões políticas nacionais e internacionais neste final de século XX e início do XXI. Esta evolução principiológica e conceitual não parou por ali. Durante a RIO+20, outras ideias como a de Economia verde, de Capital Natural e de Serviços Ecossistêmicos e Ambientais, estiveram em pauta e ganharam espaço de forma paulatina. Mas toda esta evolução não foi suficiente, por vezes para frear a avidez pelo desenvolvimento da espécie Homo sapiens sapiens nesta era antropocena. Este cenário é muito bem relatado pelo professor Yuval Noah HARARI, em sua obra SAPIENS. No momento, os valores atravessam processos de revisão conceitual. A harmonia do ambiente familiar ganha espaço no cenário das decisões comerciais. A comunicação mundial se padroniza em transmissões digitais. O contato pessoal é restrito e todos os cidadãos são obrigados a experimentar outras formas de contato. A comunicação afetiva fica mais estreita. Sentimentos plenamente humanos que estavam adormecidos pela rotina do dia a dia laboral, são redescobertos.

Valores são resgatados e por mais uma vez, o olhar para o social, um importante pilar da sustentabilidade, ganha espaço e volta à evidência mercadológica.

Na concepção tradicional de sustentabilidade, muito bem defendida pelo professor SACHS, importantes espaços, permitem a fragmentação do conceito de sustentabilidade em social, ecológica, econômica, cultural, espacial, demográfica, institucional e política. Ao lado desta concepção, novos modelos de economia são desenhados, movidos pelas novas relações jurídicas e socioambientais firmadas pelas projeções, abordagens e conceitos trazidos para o novo século XXI. Importantes cenários da economia foram repaginados e merecem destaque, tais como a criativa, a solidária, e a circular.

Tornou-se necessário um crash exponencial nos mercados internacionais para que estas economia pudessem ganhar espaço e valor.

Aeroporto de Congonhas (SP) na véspera de Natal. (Agência Brasil)

O fomento às ações locais e o manifesto estímulo à permuta, valeram de motivação ao crescimento destas economias. A criação de Moedas locais e a transformação de residências em home offices, e o cancelamento de reuniões e aglomerações em espaços públicos, valeram de alerta para que pudéssemos perceber o quando de energia gastávamos para eventos deste porte, quando na verdade muitos poderiam ser realizados por meio eletrônico. Rotas aéreas, terrestres, procedimentos logísticos eram fatores que faziam uso exponencial de matrizes energéticas. Aeroportos, estações rodoviárias, multimodais etc. etc.. Após esta nova fase, não mais serão utilizados se os encontros puderem ser substituídos por uma reunião ou conferência por meio eletrônico. As matrizes limpas passam a ganhar espaço, bitcoins, e matrizes energéticas alternativas, diversas das fósseis ganham espaço em um mercado inovador. Os serviços ecossistêmicos ganham espaço no cenário econômico. A valoração do recurso natural, (ecossistemas e biodiversidade) recebe uma nova roupagem e passa a compor ativos internacionais. Componentes genéticos e conhecimentos tradicionais associados, ganham valores passíveis de apuração. Paisagens naturais e ambiências lúdicas, tornam-se valores negociáveis, como consideração de potencial de uso. Até mesmo a religiosidade ganhou uma nova abordagem.

Cerimônias religiosas passaram a ser realizadas por meio eletrônico, e a crença de que não há espaço físico para a manifestação da Fé, tornou-se realidade.

Outro importante fator que merece destaque nesta abordagem é o resgate ou até mesmo o retorno ao equilíbrio dos ecossistemas naturais, agora mais atropizados e integrados à ambiente urbana. A potencial teoria da Autopoiesis, de Humberto MATURANA, e Francisco VARELA, neste momento torna-se mais do que presente. A renovação surge de maneira transmutada, com evidentes condições de adaptabilidade. Os riscos de rotas aeronáuticas no céu azul, causado pelos jatos de cruzeiro, já não mais são vistos. Os ruídos das aeronaves desapareceram, e em áreas próximas às zonas aeroportuárias, os moradores já observam o cantar dos pássaros. A cessação dos transportes por gôndolas nos canais de Veneza, já atraem peixes e mamíferos marinhos. A ausência de circulação de veículos, e a diminuição da atividade industrial, reduziu o consumo de combustíveis fósseis e por consequência a emissão de poluentes. Este é o novo cenário que se estabelece no Planeta. Até mesmo a ambiência e o paisagismo, estão sendo abordados de forma totalmente diferenciada. A nova ideia de Green Coaching já ganha espaço. Ou seja, o homo sapiens sapiens, passa a aprender com o reino vegetal e levar para o seu dia a dia, todos os ensinamentos naturais existentes.

Brasil registrou crescimento de 9,5% no desmatamento ilegal na Amazônia em 2020 (IBAMA)

Neste mesmo caminho, destaco aqui, parte do recentíssimo artigo dos professores Fritjof CAPRA, e Hazel HENDERSON, intitulado onde se reportam para um cenário futurístico, no ano de 2050, e fazem uma avaliação dos últimos 50 anos, e terminam com as seguinte conclusões: “Depois de todas as mudanças dramáticas que desfrutamos hoje, percebemos que nossas vidas agora são menos estressantes, saudáveis ​​e satisfatórias, e nossas comunidades planejam o futuro a longo prazo.  Para garantir a sustentabilidade de nossos novos modos de vida, percebemos que a restauração de ecossistemas ao redor do mundo é crucial, para que os vírus perigosos para os seres humanos sejam confinados novamente a outras espécies animais onde não causam danos.  Para restaurar os ecossistemas em todo o mundo, nossa mudança global para a agricultura orgânica e regenerativa floresceu, juntamente com alimentos à base de plantas, bebidas e todos os alimentos cultivados em água salgada e pratos de algas que desfrutamos.

Os bilhões de árvores que plantamos em todo o mundo após 2020, juntamente com as melhorias agrícolas, gradualmente restauraram os ecossistemas.

Como consequência de todas essas mudanças, o clima global finalmente se estabilizou, com o atual CO2 concentrações na atmosfera retornando ao nível seguro de 350 partes por milhão.  O nível do mar mais alto permanecerá por um século e agora muitas cidades florescem em terrenos mais seguros e elevados.  As catástrofes climáticas agora são raras, enquanto muitos eventos climáticos continuam a atrapalhar nossas vidas, assim como ocorreram nos séculos anteriores.  As múltiplas crises e pandemias globais, devido à nossa ignorância anterior dos processos planetários e dos ciclos de feedback, tiveram consequências trágicas generalizadas para indivíduos e comunidades.  No entanto, nós humanos aprendemos muitas lições dolorosas.  Hoje, olhando para trás a partir de 2050, percebemos que a Terra é o nosso professor mais sábio, e suas terríveis lições podem ter salvado a humanidade e grande parte de nossa comunidade de vida planetária compartilhada da extinção.”

RJ: Manguezal na APA Guapimirim e, ao fundo, a serra do Parque Nacional da Serra dos Órgãos (Reprodução/Google)

Diante do que já vimos e estamos por ver, a vetusta ideia conceitual de sustentabilidade não pode mais ser abordada, da mesma forma como assim o foi durante todo o século XX e primeira década deste século. Estamos em novos tempos, novas economias, novas sociedades, novas religiões, novos cidadãos de uma Era Antropocena. Conseguimos aos poucos aceitar os bytes, porém sem esquecer o amor, a fé, o carinho, a família, o sorriso, que andava esquecido. Talvez coberto pela rigidez da rotina tradicional capitalista. Portanto, em razão desta nova modalidade de ambiência planetária antrópica, entendemos ser necessária uma recondução conceitual da SUSTENTABILIDADE. O sustentável deixa, neste momento a sua base conceitual para se reafirmar como instrumento essencial à manutenção dos contratos sociais humanos e dos sistemas naturais. Agora sob a ideia de se RESSUSTENTAR. Nada será dispensado. Mas tudo será REPENSADO! Eis o momento exato para após a passagem ou controle desta Pandemia, aportamos em terra firme, e nos prepararmos para um novo mundo. A imperiosa sugestão seria a criação de um movimento Internacional dirigido a realização de Nova Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, ou (Re) sustentável.

Afinal, Navegar em novos mares conceituais, é preciso!

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1Advogado, paisagista e urbanista, Mestre em Direito da Cidade, jurista e professor de Direito Ambiental e Urbanístico, escritor. Membro da União Brasileira da Advocacia Ambiental- UBAA, Presidente da Comissão de Direito Municipal da OAB-RJ .

2 CARLSON.Rachel. Primavera Silenciosa. 1962.

3 LOVELOCK. James. GAIA. Um novo Olhar sob

re a Vida na Terra. . Oxford Landmark Science.2007.

4 CAPRA. Fritjof. A teia da Vida. 2005.

5 PRIEUR. Michel . Droit de l’environnement (7e édition). DAloz. 2016.

6 SACHS. Ignacy. Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável.

7 HARARY. Iuval Noah. Sapiens: Uma breve história da humanidade. 2018.

8 MATURANA R., Humberto; VARELA, Francisco J.. Autopoiesis and cognition: the realization of the living. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company, c1980. 141p. v.8.

9 https://www.fritjofcapra.net/pandemics-lessons-looking-back-from-2050/

Convidamos a tod@s para a cerimônia de formatura da 1a. Turma do Curso Básico de Jardinagem, do Instituto IEVA, que será realizada no próximo dia 02.07.21 as 10h, nos Jardins do Parque Recanto do Trovador – antigo Jardim Zoológico de Vila Isabel. RSVP no Tel: 21- 991268248. Vagas limitadas em razão da Pandemia de COVID-19.


FRANCISCO CARRERA é advogado ambiental, professor, paisagista, especialista em Environmental Social and Governance (ESG) e Serviços ecossistêmicos; Mestre em direito da Cidade -UERJ, professor de Direito Ambiental da EMERJ e do IBMEC; Coordenador de Biodiversidade da Secretaria do Ambiente e Sustentabilidade do RJ; Membro da UBAA; Presidente da Comissão de Direito Municipal da OAB/RJ; Colunista do Jornal Tribuna da Imprensa Livre.