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Proibido combater a tortura?
TRIBUNA DAS COMUNIDADES

Proibido combater a tortura? 

Por Herédia Alves

“O suplício penal não corresponde a qualquer punição corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune” (Foucault)

Em nosso país, vivenciamos mais de 300 anos de tratamento desumano e degradante, marcados pela chegada dos portugueses que deram início as práticas de torturas mais cruéis e vis da história da humanidade, seguidos pelo período ditatorial onde a prática de tortura para conseguir confissões foi mais um marco de crueldade.

Ainda assim, somos reconhecidos como um dos últimos países a incluir oficialmente a tortura como delito, ainda que de forma precária, mas já tínhamos ali um marco histórico para a Defesa dos Direitos Humanos.

Temos no direito, a finalidade de ordenar a conduta humana, e sabemos que a moral não corrige o Direito, que ainda vêm se pautando na prática da tortura, orientando-se precipuamente em critérios econômico-sociais, com evidente e escancarado recorte étnico-racial, uma vez que diuturnamente as vítimas são jovens periféricos que vivenciam um verdadeiro genocídio da população negra.

Culturalmente a tortura, é um retrato das unidades prisionais de todo o país, evidenciando uma relação típica de poder, por meio do qual se infligem dores e sofrimentos graves, de natureza física e mental, seja pela ação ou omissão dos agentes públicos que sempre buscam intimidar ou castigar, como forma de obtenção de qualquer vantagem ou simplesmente imposição de vontade ou cumprimento de regra.

O retrocesso marcou os últimos 3 anos de trabalhos realizados pelo Comitê Nacional de Prevenção e combate a Tortura( CNPCT), que conta com a Ministra Damares, a frente da pasta da Mulher Família e dos Direitos Humanos, que além de faltar reuniões marcadas pela CNPCT, nega fala aos participantes dos grupos da sociedade civil inviabilizando importantes deliberações do grupo e desmarcando reuniões com pautas de extrema importância.

Cumpre ressaltar, que conforme relatado pelos membros atuais da (CNPCT), o autoritarismo comum a esse governo, tem marcado a gestão de Damares, que extrapolando suas atribuições cancela reuniões, além de excluir deliberadamente membros do referido Comitê.

Em tentativa expressa de enfraquecer o Comitê, o atual presidente da República exonerou, através de decreto em 2019, todos os peritos do órgão, que haviam denunciado através de relatório diversas práticas de tortura no sistema prisional. Diante das arbitrariedades que marcam o atual cenário, precisamos atentar para dados alarmantes identificados pelo Mecanismo de Prevenção e Combate a Tortura que denuncia subnotificações em massa dos casos de COVID dentro das unidades prisionais, assim como falta de isolamento, descumprindo em vários aspectos a Resolução 62 do CNJ.

Monitorar os locais de privação de liberdade do país, juntamente com o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura é função da Comissão, que precisa fiscalizar as condições sanitárias e de higiene do sistema, que são extremamente insalubres, ferindo todos os protocolos das convenções de Direitos Humanos, havendo inclusive proposição de isolar presos contaminados pelo temido vírus, em contêineres no interior das unidades.

Buscar respostas e fiscalizar as barbáries diárias presentes nos contextos das favelas, onde a gestão do Estado está pautada em execução, tortura e violações de direitos, sendo a tortura usada de forma regulada pelo Estado para produção de verdade criadas pelos torturadores de farda, cujas testemunhas são os próprios policiais.

Diante de tantas violações, o próximo biênio será marcado por lutas intransigentes por Direitos e Garantias Fundamentais e pela execução de um árduo trabalho pelo Comitê, que atualmente está com seus mecanismos enfraquecidos, devido ao estado de exceção que estamos vivenciando, em contraponto ao tão combatido Estado Democrático de Direito.

O racismo estrutural que está presente na maior parte das unidades prisionais do país, que com o encarceramento em massa de jovens e adultos que clamam pelo fortalecimento das políticas de prevenção e combate a tortura, que infelizmente retrocederam quase meio século nos últimos 3 anos, enfraquecendo as políticas e mecanismos de combate a tortura em todo país.

Tal qual no passado, a prática da tortura tem sido utilizada de forma sistematizada, mesmo nosso país sendo signatário de importantes tratados de direito internacional, garantindo cada dia mais o autoritarismo, deixando de garantir a dignidade do indivíduo, constitucionalmente reconhecida.

HERÉDIA ALVES é a titular desta coluna, advogada Criminalista e do Terceiro Setor, especialista em Direito Público, diretora de Projetos do Instituto Anjos da Liberdade, presidente Estadual do Instituto Nacional de Combate a Violência Familiar, advogada da Associação de Moradores da Vila Mimosa e membro da Comissão de Direitos Humanos OAB/ RJ.

WILLIAM DE OLIVEIRA – Ativista, Mobilizador Social e Colunista do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Presidente do Coletivo MISSAO ROCINHA, graduando no Curso de Investigação Forense e Perícia Criminal.


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