Por Lincoln Penna

Foi na manhã de 1º de abril, quando me dirigia ao ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros, que me dei conta do golpe.

Na véspera, informações desencontradas davam conta de uma manobra vinda de Juiz de Fora e comandada por dois generais. Os excessivos comentários a respeito de iniciativas golpistas deixavam a todos de sobressalto naquela manhã.

O presidente João Goulart se encontrava no Rio e havia a crença de que o chamado “Dispositivo Militar” de Jango impediria qualquer aventura por parte dos eternos adeptos da intervenção militar.

A minha ida ao ISEB tinha, na verdade, dois motivos: assistir ao encontro do grande pintor Di Cavalcanti, que tinha sido nomeado pelo presidente para ser Adido Cultural em Paris e Bruxelas, e viajaria ainda naquele dia para assumir a função; e, para saber se já tinha saído o resultado de uma prova do Curso Teoria Social realizado nos meses de dezembro de 1963 até o final de março daquele ano de 1964.

Mal cheguei e encontrei o portão da bela mansão da Rua das Palmeiras cerrado, com uma guarda militar e civil junto ao referido portão. Ao retornar e me dirigir à Cinelândia em frente ao Clube Militar, para obter informações sobre o golpe em marcha deparei-me com uma pequena multidão à espera de informações mais seguras sobre o que se passava.

Encontrei-me com alguns colegas que tinham estado no CACO (Diretório Acadêmico Cândido de Oliveira, da Faculdade Nacional de Direito) que de lá saíram depois de terem sido alvos da ação de policiais do governador Lacerda, graças à intervenção do então capitão Ivan Cavalcanti Proença, o que resultaria na sua prisão e posterior afastamento do Exército.

Os militares que se encontravam no Clube Militar eram todos favoráveis aos golpistas e assim demonstraram de forma a nos obrigar à dispersão, uma vez que alguns deles portavam armas e ameaçavam temendo, quem sabe, uma invasão de comunistas na sede do Clube. Surpresos e decepcionados, todos se afastaram rumando para onde pudessem tomar ciência do que de fato ocorria.

Ao ir ao encontro de meu pai, em Copacabana, assisti a enxurrada de bandeiras e loas bradadas das janelas dos prédios da Atlântica. Não havia mais dúvida. Tínhamos sido derrotados, muito embora ninguém pudesse àquela altura imaginar que esse pesadelo durasse tanto tempo.

O pior é que mesmo tendo protagonizado um regime de tamanha repressão, que ainda por cima surrupiou a soberania nacional, os militares estimulam às demonstrações de retorno à ditadura por parte de um bando de revanchistas. E essa mesma atitude de defesa do regime militar e empresarial tem no momento à testa da atual presidência da República um dos mais ardorosos defensores desses tempos de chumbo, e defensor das práticas da tortura de brasileiros patriotas e resistentes democratas de todas as tendências.

Não satisfeito com esse pendor totalitário – Bolsonaro gostaria de ser um ditador amparado pelos seus fanáticos seguidores – eis que vem cometendo mais um ato de lesa humanidade, ao manter-se fiel à crença de que a crise sanitária é um exagero da mídia contra ele. Diante da brutalidade do avanço da pandemia inventa supostos medicamentos para prevenção do vírus, debocha de seus críticos e não reconhece as recomendações da ciência.

E ainda por cima, solta o verbo com disparates a quem o contesta, permanece recluso somente a dialogar com sua tribo de bajuladores e dispara ameaças como a convocação dos militares em sua defesa, convencido de que tem o apoio incondicional de todos. Será? E por quanto tempo?


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.