Redação

Enquanto o Brasil enfrenta intensa instabilidade política, sanitária e econômica, circulam na internet petições na linha preconizada por pessoas que acataram a convocação do presidente Jair Bolsonaro e foram às ruas em 15 de março pedir o fechamento do Congresso e do STF. As manifestações, assim como os posts em mídias sociais que as instigaram e propagaram, também eram marcadas por muita agressividade contra a mídia, em especial contra a TV Globo.

Pregar o fim dos órgãos máximos do Judiciário e do Legislativo é, por natureza, defender um golpe institucional, pondo abaixo duas instituições basilares da ordem jurídica nacional definida pela Constituição Federal de 1988. Mesmo assim, até as 14h desta terça-feira (7) mais de 2,5 mil assinaturas foram apostas a uma petição online pelo fechamento do Congresso Nacional.

Você encontra aqui os nomes de quem assinou a petição pelo fechamento do Congresso.

O autor da petição é “Emanuel Ferguzis”. Pesquisas em fontes públicas não indicam sequer que essa pessoa exista. Não se encontra tal nome em redes sociais, em ações judiciais em andamento no Brasil, nem em outros bancos de dados consultados pelo Congresso em Foco. Mas, como se sabe, vivemos uma realidade tecnológica propícia à ação, eventualmente com elevado impacto político, de perfis fictícios e robôs.

Um outro ponto chama a atenção: na petição pedindo que a emissora seja impedida de manter a concessão, o vídeo utilizado é da live que o presidente Jair Bolsonaro em 29 de outubro, quando xingou a Rede Globo e ameaçou não renovar a licença para a empresa operar. O vídeo em questão está no canal do Youtube do senador Flávio Bolsonaro, o filho 01 do chefe do Executivo.

Para o advogado André Portugal, mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra (Portugal), tanto o criador da petição quanto seus adeptos estão incorrendo em crime ao fazer a apologia do fechamento do Congresso Nacional. A pena pode ir de um a quatro anos de detenção.

Quem promove ou participa de ato público violento ou propaganda para alteração da ordem política ou social está cometendo crime passível de detenção, segundo o artigo 22 da Lei de Segurança Nacional, explica ele. Igualmente ilegal, acrescenta o advogado, é incitar à subversão da ordem política ou social ou mesmo à animosidade entre as Forças Armadas ou entre essas e as classes sociais ou instituições civis. O crime é passível de reclusão por igual período.

Porém, esse posicionamento não é unanimidade no meio jurídico. Para Flávio Pansieri, fundador da Academia Brasileira de Direito Constitucional e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), quem cria e quem adere a uma petição pedindo o fechamento dos poderes não  comete nenhum crime. “Não está incorrendo no artigo 22 e nem no artigo 23. Não se está, em momento algum, tratando de processos violentos ou ilegais. Estão perguntando para as pessoas: ‘você é favorável a fechar o Congresso?'”. “A democracia é um estado de desarrumação tão grande, que volta e meia optamos pela arrumação”, argumenta.

André Portugal diverge. Ele enfatiza que esse tipo de petição não pode ser admitida, justamente por, na visão dele, colocar em risco a democracia. O pressuposto é que, num ambiente democrático, pode-se admitir toda a expressão do pensamento, exceto aquela cuja aceitação implica necessariamente a supressão da democracia. “Manifestações contrárias à própria democracia não deveriam ser admitidas”, pontua o advogado. “É uma questão delicada que toca no limite da democracia. Mas há uma vedação a manifestações que atentem aos poderes e à própria democracia”.

Pansieri concorda, entretanto, que a petição pelo fechamento do Congresso merece total condenação:  “Por mais que eu entenda que não seja crime, o manifesto beira o absurdo. Ele demonstra a insatisfação de parte da população. Mas é inadmissível e deve ser recebido pela própria sociedade de diversas formas, como pelo desprezo, porque não é possível que nós venhamos a aceitar como adequado isso. Ele tem que ser recebido com repúdio de ideias”.

Há outro ponto de convergência entre os dois juristas: a petição, em si, é uma demonstração da ignorância jurídica dos seus signatários. “Funcionamento do Congresso Nacional é fundamental para a democracia. Não podemos pressupor que exista democracia sem o Congresso e com isso não estou tecendo nenhum comentário sobre o mérito das ações do Legislativo, Executivo ou Judiciário”, diz Flávio Pansieri.

Para André, esse tipo de petição é fomentada pelo discurso do presidente Jair Bolsonaro que, ao se manifestar contra os poderes, incorre em crime de responsabilidade, segundo o advogado. “As pessoas perguntam o porquê que quando ele era deputado não acontecia nada e somente agora que ele é presidente que as pessoas falam em crime de responsabilidade. É porque é diferente. A imunidade parlamentar é para o parlamentar. O presidente Jair Bolsonaro não pode ser o deputado Jair Bolsonaro“, pontua Portugal.

Concessão pública de TV

Outra petição que segue o discurso do chefe do Executivo é a que pede a cassação da concessão da Rede Globo. Jair Bolsonaro tem, desde que se elegeu, atacado a maior emissora do país, pela qual se diz perseguido. O presidente chegou a dizer que considerava não renovar a concessão da emissora.

Porém, André alerta que Bolsonaro não tem tamanho poder. “A decisão pela renovação ou não da própria concessão depende do Congresso. Precisa de dois quintos do Congresso (maioria absoluta)”, ressalta.

André Portugal explica que a decisão precisa passar pelo Legislativo, justamente para impedir que um presidente da República, no afã de calar uma voz opositora ao seu pensamento, tente, de maneira autoritária, perseguir veículos. “Isso é justamente um mecanismo constitucional para impedir qualquer decisão arbitrária. A pura divergência ideológica, ou divergências de críticas feitas por determinadas emissoras, não são motivos para cassar uma concessão”, diz o advogado.

O  Congresso em Foco tentou encontrar o contato com o site onde estão hospedadas as duas petições citadas na matéria, mas não existe esse registro dentro do site, que também não consta com perfis em redes sociais.


Fonte: Congresso em Foco