Por Lincoln Penna

Um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento futuro do indispensável movimento de massas é o descaso persistente pela questão nacional na ideologia socialista. (István Mészáros, em O Poder da Ideologia)

É preciso insistir no campo das análises sobre o emprego do conceito de ideologia. Ela não se ressume ao modo pelo qual as classes dominantes entendem o mundo em que vivemos, e como tal tudo a ela se atribui como representação da ideologia. Isso tem implicado em se tratar determinados conceitos como representativos dessas classes. É o caso do nacionalismo.
A palavra ideologia é polissêmica, portanto, comporta leituras distintas de acordo com a visão de mundo das classes fundamentais do capitalismo ou de qualquer das sociedades de classes que o antecederam.

Marx chegou a dizer que a ideologia é sempre a das classes dominantes, logo das burguesias, não havendo senão o contraponto das classes do mundo do trabalho que a elas se opõem. Ao viver na época da expansão industrial de um capitalismo dominante em todos os setores da sociedade, essa sentença categórica do filósofo alemão tinha sentido, como de resto ainda tem.

Contudo, as mudanças provocadas pelo capitalismo a ponto de subalternizar o papel da produção material, do setor industrial na medida em que se afirma cada vez mais o setor financeiro, exige seguidas reavaliações dessa contundente afirmação. A começar pelo alerta bem situado por Mészáros, quando diz:

…estamos falando das características de uma nova época histórica, e não dos acontecimentos mais ou menos efêmeros de uma nova conjuntura.

Sem dúvida, o neoliberalismo coloca na ordem do dia algumas tarefas importantes para os movimentos sociais e para todos que buscam compreender o alcance dessas mudanças no âmbito do modo de produção capitalista. E uma delas é a questão da concepção do nacionalismo, uma vez que se há uma leitura própria da burguesia sobre o seu significado, não nos esqueçamos que há também um significado para as classes subalternas.

Por sinal, é de conhecimento de todos que acompanham os grandes embates nacionais a existência de duas visões da questão. De um lado, a direita nacionalista fundada num suposto patriotismo centrado em símbolos e não em valores de irmandade fraternal. Assim, como existe de outro lado o nacionalismo de esquerda inspirado na defesa da soberania nacional, fortemente revelado quando da bela campanha O Petróleo É Nosso!

E essa polarização se estende a todos os campos em que se defrontam os ideólogos dos campos opostos, na mais reveladora luta de classe impossível de ser ignorada.

Atribuir ao outro a falsidade na defesa do nacionalismo não leva a lugar algum, pois só afirma o contraditório que os diferencia. Se a direita não tem argumentos para contrapor-se à interpretação da esquerda diante de questões a desafiar tais polêmicas, cabe à esquerda banhar-se exatamente nesse instrumento argumentativo. Por uma razão muito simples, a esquerda está mais próxima da lógica dialética, aquela que pondera as contradições presentes em vocábulos como o nacionalismo e delas tira a essência do termo.

A verdade não existe senão a luz da capacidade de lhe dar sentido, e não permanecer apenas exibindo símbolos e ícones a representar uma vontade geral. Isso posto, é tarefa fundamental que a esquerda recupere o significado de nacionalismo tão presente nos anos subsequentes à Segunda Guerra Mundial, principalmente na década de cinquenta, para que se possa juntar os cacos e irmos à luta contra o obscurantismo que impera em nossa Pátria.

Pátria essa que está a representar as diversas nacionalidades que preenchem o espaço territorial brasileiro. As tribos nativas têm orgulho do pertencimento à terra e ao entorno que as circundam.

Urge que aprendamos com elas e as integremos no esforço de construção da grande e imensa nacionalidade plural e singular.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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