Por Petrônio Souza

Na inicial do nome, um passe do destino: Rei! Nasceu no dia 11 de janeiro, com as traves do tempo lhe acenando um gol. Ganhou dos céus a camisa 9, e o que lhe faltava para o 10 ele preencheu com a generosidade infinita que só os gênios têm. Quando corria em campo depois de mais um gol registrado, era a encarnação de todos os nossos sonhos, levando no punho erguido e cerrado a chama acesa da esperança humana. Tinha os olhos tristes.

Mágico, mágico, majestoso, gênio, generoso, amigo e genial. Era grande demais para caber apenas nas quatro linhas demarcadas. Fez do campo gramado um latifúndio no coração da Humanidade. Transbordou o seu talento além do tempo e até hoje as pessoas vão ao seu encontro, sonhando agarrar o momento vivido. Foi o jogador mais injustiçado do futebol mundial. A minha mais tenra e terna lembrança é de um dia de chuva de granizo, eu menino, franzino, debaixo da goteira, festejando a rua enfeitada pelas pedras que nunca vi. Era a mais pura felicidade, enquanto entoava o mantra maior de uma nação e quase dançava na chuva: “Rei! Rei! Rei! Reinaldo é o nosso Rei.”

Sempre me lembro a quase canção que foi ao ar em rede nacional, com Djavan cantando o jingle em homenagem e agradecimento à carreira que chegava ao fim, quando os mais belos lances do futebol do planeta Terra se sucediam ao fundo:

“É emoção, deixar mais um torto no chão, e o coração do povo, em um sentimento novo de união… A força do seu gesto eu sei. Explode na garganta um Rei; do súdito gritando ao Rei”.

Um dia, como comentarista da Copa do Mundo na França, em 1998, Reinaldo queria conhecer um ponto turístico da Cidade Luz, foi parar em outro. Diante do equívoco, entrou em um restaurante para tomar um chopp e refrescar as ideias. O proprietário do restaurante, ao balcão, o olhava de forma acintosa. Ele se incomodou. Quando se preparava para sair, o francês percebeu, cruzou o bar e chegou até ele, festivo: “Renaudu?! Renaudu?!” E ele: “É! É! Reinaldo, Reinaldo!!!” Os dois falando e acenando com a cabeça: “Renaudu!?”. “Sou eu! Sou eu!”. O francês descobriu o futebol e Reinaldo redescobriu que é amado por todos, muito além de time, povo ou raça. Depois de muitos abraços e emoções, o francês foi ao escritório e voltou com a antiga revista que estampava o Rei na capa, quando o Atlético excursionou pela França em 1980 e Reinaldo foi o grande destaque dos jogos. O Rei chorou, o francês chorou, e eu estou chorando de novo.

No calor do Rio de Janeiro, foi visitar o Djavan. Ficou esperando na sala, até que pensou em protestar diante da demora do amigo, quando viu o cantor descer a escada do apartamento vestindo a camisa de jogo do Rei. Djavan parou no meio dos degraus, abriu os braços, o sorriso, e se desculpou: “Sem a minha esposa em casa eu fico perdido, Rei!”.

No aniversário dele me convidou para estar entre os seus. Os eleitos. Até hoje ele faz golaços em meu coração… Que honra. Que honra! Ainda emocionado, queria terminar esta crônica como um presente em agradecimento, tendo a beleza de um gol dele, de um drible, um gesto… Pena, sou muito pequeno…

Lá vai a bola, Reinaldo recebeu na área, driblou o primeiro, deu chapeuzinho no zagueiro, o goleiro vai saindo, Reinaldo tocou por cima… pena, não consigo mais enxergar as teclas do computador.


PETRÔNIO SOUZA é jornalista e escritor. Mantém uma coluna semanal sobre política e cultura em dezenas de jornais Brasil afora. Tem três livros publicados, sendo um de contos e dois de poemas. Em 2005 ganhou o Prêmio Nacional de Literatura “Vivaldi Moreira”, da Academia Mineira de Letras, como segundo colocado.