Redação –
Tribuna da Imprensa Livre passa a publicar informações do coletivo internacional Dongsheng (Vozes orientais). Em parceria, publicaremos semanalmente artigos sobre a China a partir de uma perspectiva chinesa, com foco em geopolítica, economia, política local, agricultura e meio ambiente, ciência e tecnologia, cultura e vida do povo. São textos traduzidos pelo Instituto Tricontinental que examinam a transição para um mundo não mais hegemonizado pelos EUA.
Estes são os destaques deste mês: 1- Para a China, o ataque do Irã a Israel foi “um ato de autodefesa”; 2- A nova narrativa do Ocidente contra a China: excesso de capacidade; 3- A China ultrapassa sua meta de crescimento do PIB de 5% no primeiro trimestre; 4- Viagem histórica de “paz” do ex-líder taiwanês Ma Ying-jeou. (D.M.)
Ataque do Irã foi “um ato de autodefesa”
No contexto do genocídio que Israel está cometendo contra a população palestina e em retaliação ao ataque de Israel ao complexo de sua embaixada em Damasco (Síria), o Irã realizou, pela primeira vez na história, um ataque com mísseis e drones contra o território israelense, perfurando repetidamente a famosa “cúpula de ferro”.
Após a resposta militar, Wang Yi, ministro das Relações Exteriores da China, ligou para seu colega iraniano Hossein Amir-Abdollahian. Durante a conversa, Wang Yi condenou novamente o ataque “inaceitável” de Israel ao consulado iraniana na Síria, dizendo que foi uma grave violação da lei internacional. Ele também afirmou que “o Irã pode lidar bem com a situação e evitar que a região sofra mais tumultos, salvaguardando sua soberania e dignidade”. O ministro das Relações Exteriores do Irã garantiu ao ministro das Relações Exteriores Wang que seu país está disposto a ser moderado e não tem intenção de agravar ainda mais a situação. Ele ainda enfatizou que “a República Islâmica do Irã defende um cessar-fogo imediato em Gaza e apoia os esforços positivos da China para promover um cessar-fogo”.
Por outro lado, Yuval Waks, vice-chefe da missão israelense na China, disse que Israel não estava satisfeito com a resposta atual da China ao ataque do Irã, pois, em suas palavras, eles esperavam “uma condenação mais forte e um reconhecimento claro do direito de Israel de se defender”.
Alguns dias depois, o presidente da Câmara dos Deputados dos EUA rotulou o Irã, a China e a Rússia como o novo “eixo do mal”, ao mesmo tempo em que apoiava o último projeto de lei para enviar mais de R$ 300 bilhões à Ucrânia.
Durante anos, a China defendeu uma solução de dois Estados, a criação de um Estado palestino independente e a adesão total da Palestina à ONU. De fato, na semana passada, ela apoiou novamente uma moção do Conselho de Segurança da ONU nesse sentido, mas ela foi vetada, mais uma vez, pelos Estados Unidos.Embora todos estejam falando sobre as ações do Irã nas últimas semanas, uma grande mudança no comércio de energia do Irã vem ocorrendo nos últimos anos. Apesar das sanções ocidentais, as exportações de petróleo do Irã atingiram um recorde de seis anos, impulsionando sua economia em R$ 179 bilhões por ano.
O Irã vendeu uma média de 1,56 milhão de barris por dia, dos quais a grande maioria foi vendida para a China. Aproximadamente um décimo das importações de petróleo da China vem do Irã.
Isso tem dado à economia iraniana um certo grau de resiliência diante das sanções que os Estados Unidos e a Europa vêm impondo há anos ao país. Trata-se de um fenômeno, em certa medida, semelhante ao das sanções ocidentais contra a Rússia desde fevereiro de 2022: ao aumentar o comércio com as economias do Sul Global, impulsionado pela China, que não se envolve com as sanções ocidentais, a economia, que em teoria deveria sofrer, acaba se fortalecendo e reduzindo sua dependência do Ocidente. É muito cedo para dizer, mas as indicações fornecidas pelas exportações de petróleo iraniano parecem apontar para isso.
A nova narrativa do Ocidente contra a China: excesso de capacidade
Durante sua visita à China no início de abril, a Secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, expressou sua preocupação com um suposto excesso de capacidade no novo setor de energia do gigante asiático. Nas últimas semanas, essa ideia tem circulado na mídia ocidental, acusando os subsídios do governo chinês às empresas do setor de energia como “injustos”. No entanto, a decisão de subsidiar ou não um setor industrial é uma decisão de soberania nacional do país e uma prática comum no comércio internacional. O fato é que a Europa subsidia pesadamente seu setor agrícola (e até mesmo foi acusada de práticas de dumping) e, historicamente, os Estados Unidos têm uma política protecionista para impulsionar sua indústria nacional. O ponto principal é que tanto os EUA quanto a Europa estão preocupados com o grande avanço da China na produção de carros elétricos, paineis solares, turbinas eólicas, robótica, produtos que estão no centro do atual desenvolvimento industrial da China.
Um bom exemplo é a maior empresa de automação da China, a Innovance, que tem uma capitalização de mercado de R$ 128 bilhões. Conhecida como “pequena Huawei”, ela foi fundada por ex-engenheiros da Huawei e hoje é a principal fornecedora de peças de sistemas servo AC (aqueles que produzem movimento em máquinas industriais) e a segunda maior produtora nacional de robôs industriais. Suas receitas em 2023 aumentaram 30%, chegando a R$ 20,5 bilhões; seu investimento em P&D é significativo e ela tem duas fábricas na Hungria e uma na Índia.
De acordo com dados da Federação Internacional de Robótica, em 2022, mais da metade de todas as instalações de robôs industriais do mundo foram feitas na China.
Esse impulso nos novos setores de energia da China é uma oportunidade para os países do Sul Global, disse Marco Fernandes, membro da Dongsheng, em uma entrevista à CGTN. Ele enfatizou que “é a primeira vez que temos uma grande economia, uma economia tão forte no Sul Global, portanto é absolutamente estratégico” e que, para os países em desenvolvimento, é “…uma questão de tentar ter parcerias equilibradas”. Dessa forma, o suposto excesso de capacidade da China parece ser mais uma ameaça para as potências tradicionais do que para os países em desenvolvimento do mundo. Tanto a Europa quanto os Estados Unidos insistem em se dissociar (decouple) ou “diminuir os riscos” (de-risk) da China, mas os dados mostram que isso está longe de ser alcançado. De acordo com um artigo da Brookings no ano passado, os fabricantes dos EUA são muito mais dependentes da China do que sugerem os cálculos padrão que examinam a origem dos bens intermediários, ou seja, as importações usadas para fabricar os produtos dos EUA.
O documento revela que, em 2018, a China foi o fornecedor de mais de 90% dos setores de manufatura dos EUA, especialmente vestuário, veículos motorizados e equipamentos elétricos. Em 1995, o Japão era a principal fonte estrangeira para cerca de 40% dos setores de manufatura dos EUA, seguido pelo Canadá, com cerca de 30%. Essa alta dependência de bens intermediários chineses implica, para os autores, que “a dissociação da China será muito, muito mais difícil e muito mais lenta do que muitas pessoas pensam, e pode ser impossível”.
Na mesma linha, o CFO da Siemens, Ralf Thomas, disse há alguns dias que serão necessárias “décadas” para que os fabricantes alemães reduzam sua dependência da China. “As cadeias globais de valor foram construídas ao longo dos últimos 50 anos – quão ingênuo é preciso ser para acreditar que isso pode mudar em seis ou 12 meses?”, observou ele. Essa é uma pequena amostra da dependência que os países europeus também têm em seu comércio com a China.
Após a visita do chanceler Olaf Scholz, a China anunciou que reduzirá os controles sobre os produtos agrícolas alemães, incluindo carne de porco, maçãs e alguns produtos de carne bovina. Medidas semelhantes foram tomadas no início deste ano sobre produtos da Espanha, Bélgica e Áustria, em um claro sinal das intenções de Pequim de melhorar seus laços com a Europa.
Economia do primeiro trimestre: China ultrapassa sua meta de crescimento do PIB de 5%
A economia da China superou as expectativas e cresceu 5,3% em relação ao ano anterior no primeiro trimestre, consistente com a meta de crescimento anual de “cerca de 5%” estabelecida nas Duas Sessões no início deste ano.
Em meio à reorganização produtiva da China, baseada na manufatura, e não no setor imobiliário, como a pedra angular do crescimento, o investimento em ativos fixos atingiu 10 trilhões de yuans (R$ 7 trilhões), um aumento de 4,5%. Em meio à reestruturação do setor, o investimento no setor imobiliário continua caindo (-9,5%), enquanto a manufatura e a infraestrutura foram responsáveis pelo crescimento geral do investimento, com aumento de 9,9 e 6,5%, respectivamente.
O valor agregado industrial da China cresceu 6% no primeiro trimestre, especialmente no setor de alta tecnologia, cujo crescimento da manufatura se acelerou. O Banco Central da China criará um programa de empréstimo de 500 bilhões de yuans (R$ 353 bilhões) para apoiar empresas de pequeno e médio porte dos setores de ciência e tecnologia do país.
No âmbito internacional, o uso do yuan em transações internacionais continuou a crescer. De acordo com a SWIFT, a participação do yuan nos pagamentos globais atingiu um recorde em março (4,69%), permanecendo como a quarta moeda mais ativa do mundo. O dólar americano continuou a ter a maior participação nos pagamentos globais, com cerca de 47%, e o euro caiu para menos de 22%.
Quando a SWIFT começou a rastrear o uso do yuan em 2010, a moeda era responsável por menos de 0,1% das liquidações globais.
Além disso, o uso do yuan nas transações internacionais da China para o comércio de mercadorias foi de quase 30% no primeiro trimestre, acima dos 25% em 2023 e dos 18% em 2022.
Viagem histórica de “paz” do ex-líder taiwanês Ma Ying-jeou
Ma Ying-jeou, ex-líder da ilha de Taiwan de 2008 a 2016, fez uma viagem de paz à China continental, onde se reuniu com Xi Jinping. Na reunião, Xi afirmou que “não há problemas que não possam ser discutidos e não há forças que possam nos separar” e que “a interferência externa não pode conter a tendência histórica da reunificação nacional”. Por sua vez, Ma disse que a defesa do Consenso de 1992 e a oposição à “independência de Taiwan” são a base política comum para o desenvolvimento pacífico das relações entre os dois lados do Estreito.
Ma pertence ao principal partido de oposição de Taiwan, o Kuomintang, que está mais inclinado a manter um relacionamento amigável com o continente. O Partido Democrático Progressista, que governa o país desde 2016, venceu as últimas eleições regionais. Em poucos dias, o novo líder William Lai Ching-te, que sucederá Tsai Ing-wen, assumirá o cargo. Desde que Tsai chegou ao poder em 2016, as negociações com o governo central foram congeladas desde que o governo taiwanês deixou de reconhecer o Consenso de 1992, que respeita o princípio de uma só China.
Ainda não se sabe como as relações de Pequim com o novo governo de Taiwan se desenvolverão. Ma, após sua visita à China continental, pediu ao líder eleito que respondesse “pragmaticamente” ao apelo de Xi Jinping pela paz e respeitasse o princípio da Uma China.
China lança terceira rodada de inspeções anticorrupção no setor financeiro
A China lançou outra série de inspeções disciplinares dos principais departamentos governamentais e instituições financeiras estatais.
A terceira rodada de inspeções de rotina, após a última em 2021, terá como alvo 34 agências, incluindo ministérios do governo central, o banco central, as bolsas de valores de Xangai e Shenzhen, os maiores bancos e seguradoras estatais, bem como credores de apólices.
A campanha anticorrupção lançada por Xi Jinping em 2013 abrangeu todos os setores da governança. Desde ministérios, finanças e empresas estatais, até saúde e esportes. Mais de quatro milhões de quadros regionais do CPC e 533 em nível vice-ministerial ou superior foram investigados desde o início da campanha anticorrupção.
Preços da carne suína despencam na China
Os preços da carne suína chinesa estão em uma queda prolongada devido ao excesso de oferta. Depois de atingir um pico de 26 yuans (R$ 18,30) por kg em outubro de 2022, eles agora atingiram uma baixa de 14 yuans (R$ 9,8o). Esse produto é responsável por 60% do consumo de carne do país, portanto, as flutuações em seus preços têm várias implicações.
- Para começar, isso exerce pressão deflacionária sobre o Índice de Preços ao Consumidor, que em março subiu 0,1% em relação ao ano anterior, abaixo da meta de 3% estabelecida pelo governo.
- Se a China decidir reduzir o número de suínos criados, isso provavelmente terá um impacto no mercado global de grãos, já que uma diminuição na demanda por ração pressionará os preços internacionais para baixo.
- Além disso, a tendência de queda nos preços coloca os produtores em risco de falência e pode fazer com que muitos pequenos produtores deixem de produzir, como já aconteceu em outras ocasiões semelhantes.
É por isso que o governo chinês começou a agir, anunciando planos para reduzir sua meta de número de porcas reprodutoras em cerca de 5% a partir de março, de 41 milhões para 39 milhões. Além disso, ele considerará 92% dessa meta (cerca de 35,9 milhões de porcas) como um nível aceitável.
As cidades costeiras da China ficarão abaixo do nível do mar em um século
Um quarto das terras costeiras da China ficará abaixo do nível do mar dentro de um século, de acordo com um novo estudo realizado por pesquisadores chineses e norte-americanos e publicado na revista Science. Eles descobriram que cerca de um terço da população das 82 cidades analisadas vive em regiões que afundam mais de 3 mm por ano, enquanto 7% vivem em áreas que afundam mais de 10 mm por ano. O documento também constatou que 270 milhões de chineses vivem atualmente em terras que estão afundando,
As mudanças nas águas subterrâneas e o peso da construção estariam entre os motivos, e uma possível solução poderia estar no controle de longo prazo da extração de águas subterrâneas.
O afundamento causa rachaduras no solo, danifica edifícios e aumenta o risco de inundações. Além disso, os desastres relacionados ao afundamento do solo na China feriram ou mataram centenas de pessoas e custaram uma perda econômica direta anual de mais de R$ 5 bilhões nas últimas décadas.
A equipe mapeou o afundamento de cidades entre 2015 e 2022 usando uma técnica alimentada pelos satélites Sentinel-1 da Agência Espacial Europeia para medir o movimento vertical da Terra.
Novos graduados universitários escolhem cidades menores para trabalhar
Os graduados universitários chineses estão optando cada vez mais por deixar as grandes cidades do país e procurar emprego em cidades e condados menores. De acordo com uma pesquisa da Mycos, em 2018, apenas 20% dos entrevistados estavam trabalhando em condados e cidades seis meses após a formatura, mas esse número aumentou para 25% até 2022.
Isso se deve ao fato de os graduados quererem se mudar para mais perto da família e evitar a pressão que vem com o trabalho nas grandes cidades. Os condados e as cidades também oferecem mais oportunidades de conseguir empregos no setor público.
Quase 60% dos entrevistados que trabalham em condados e cidades estavam no mesmo local há pelo menos cinco anos e sua renda média mensal aumentou de R$ 3.275 em 2018 para R$ 3.796 em 2022. Sua taxa média de satisfação no trabalho aumentou de 67% para 76% durante o mesmo período.
Algumas regiões adotam políticas destinadas a promover o retorno dos graduados às suas cidades de origem. Por exemplo, o Condado de Suichang, na Província de Zhejiang, oferece aos graduados com mestrado um um subsídio para viver de R$ 212 mil e um auxílio-moradia anual de R$ 21.200por cinco anos. (Fonte: Dongsheng)
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