Por Lincoln Penna

O modo de produção capitalista está orientado para o lucro. Este é o resultado do investimento realizado nas operações econômicas. Assim, o motor do capitalismo, é objetivamente o dinheiro. Seria tolerável caso houvesse uma barreira ética a impedir a acumulação desenfreada e até criminosa. Como não há, isso explica o que está acontecendo na reserva Ianomâmi.

Não basta proclamar que um novo mundo é possível. Ele o é, desde que nos conscientizemos de que é preciso combater a lógica da usura. Esta consiste no conhecido lema de se procurar sempre levar vantagem atropelando tudo, crenças, seres vivos, e sonhos, para tirar proveito à revelia da natureza em toda a sua diversidade e naturalmente ao bom senso. Este impulso sem limites é difundido no seio daquilo que denominamos de civilização, o que não deixa de ser um insulto à humanidade.

Estamos há tempos diante de uma escalada genocida que tem eliminado os nossos povos originários, e mais recentemente a atingir as comunidades ianomâmis, vítimas de uma cruel ação perpetrada entre outros pelo garimpo ilegal em sua reserva. A própria desenvoltura da garimpagem em terras demarcadas ou não de modo a obtenção de lucros provenientes da exploração de minérios de nosso território já devia ser no mínimo objeto de revisão das concessões que se têm feito por parte do poder público.

O caráter predatório dessa atividade devasta e aniquila a fauna e a flora. Contamina os rios e retira a base da alimentação das comunidades ribeirinhas e ainda atrai outras incursões, pela inoperância de autoridades, mas também pela audácia dos infratores convencidos da impunidade, como a da pesca clandestina para fins de exportação, o que inclui quem se utiliza desse comércio como sócios culposos de violência contra as fontes naturais do país.

Todavia, os interesses conjugados de alguns governantes e os grupos que ocupam desde muito tempo as nossas terras devolutas, hoje em dia praticamente não mais existentes, porque ou apropriadas devida ou indevidamente, ou destinadas parte delas à justa criação das reservas indígenas; têm, tais interesses, impedido uma fiscalização mais rigorosa. Afinal, a nossa Constituição violada pelos que praticam esses crimes de lesa natureza cultores que são dessa lógica perversa que é o lucro a qualquer preço.

Digo isso, por óbvio que é, mas nunca é demais dizer, pois se encontra já no domínio público de quem tem um mínimo de percepção das coisas da vida o poder do mercado. O que torna urgente a discussão sobre as táticas e estratégicas com vistas a mudanças pós-capitalistas, que precisam atentar para o fato de que a permanecer essa lógica o novo mundo tardará muito.

As atividades das economias no âmbito das sociedades capitalistas são pautadas a partir de critérios orientados pela lógica dos investimentos. É natural, diria muita gente, mas ocorre que o prioritário na área das políticas públicas decorre do retorno do capital aplicado ou empenhado. Pelo menos é assim que agem os agentes públicos, mesmo sob a égide de uma República, aquela que deveria sustentar a defesa da coisa pública.

As áreas sociais tendem a ficar submetidas ao tão esperado retorno dos investimentos. Este é aguardado não somente no que diz respeito as finanças aplicadas, mas, no caso dos poderes públicos, nos seus rendimentos políticos privados.

Muito embora essa realidade seja bem conhecida evocá-la é necessário para quem tem como objetivo somar forças para promover as grandes transformações nas sociedades que abrangem quase todos os povos da Terra, direta ou indiretamente afetados pelos desdobramentos das crises do capitalismo. E esses agentes da mudança, independente do caráter que elas venham a ter, devem ter a consciência de que não basta reunir a teoria e a prática, mas se desfazerem dessa lógica no plano pessoal. Do contrário, fica apenas o discurso.

Se paralelo pode ser aplicado no caso específico brasileiro e seu passado colonial e neocolonial incluída a atualidade em face de uma lógica entranhada em nossas vidas e em nossas relações entre capital e trabalho, o faço ao comparar com o legado escravocrata. Este produziu o racismo estrutural fundado no capitalismo escravista, associado ao nosso passado pendente. Essa relação entre a escravidão e o capitalismo, não impediu a continuidade do fardo da escravocracia. Na verdade, acabou favorecendo essa coexistência.

A busca do dinheiro, proveniente do lucro, da renda ou das formas de assalto ao bem público, praticado individualmente ou amparado por grandes grupos organizados para obtê-los, é um fenômeno recorrente que implica numa relação de cunho ideológica a justificar o preconceito e suas variantes que dizem respeito à cultura política realimentada e naturalizada, como se não fosse o resultado de um sistema voltado exatamente para produzir as desigualdades sociais e a exclusão de povos e suas culturas.

Karl Marx considerava os elementos da lógica de Hegel sua grande contribuição. A dialética entre o senhor e o escravo, presente na epistemologia hegeliana, o inspirou com certeza na concepção das lutas de classes como motor da história.

Hegel ve Marx Diyalektiği Arasındaki Farklar - Şiraz Duvarı

Contudo, os elementos da dialética hegeliana, isto é, a tese, a antítese e a síntese eram apreendidas, segundo Marx, no plano da aparência e não da realidade. Ao colocar na história essa concepção dialética, ele entendeu os rumos do processo histórico e fundou uma chave explicativa para o advento das sociedades de classes.

Essa realidade está para o fundador do materialismo dialético e da concepção materialista da história se constituía na clara demarcação entre a oposição dos que detém os meios de produção (o capital em suas diversas representações, material e politicamente) e os que são forçados à vender a sua força de trabalho (os operários assalariados).

Os ideólogos capitalistas buscam criar realidades fantasiosas para encobrir os resultados das lutas de classes resultantes dessa oposição dialética travada no mundo do trabalho. Para tanto, lançam mão de aparelhos de estado instrumentalizados para operarem simultaneamente as funções repressivas e ideológicas articuladas para conter as demandas dos trabalhadores, responsáveis diretos pela riqueza apropriada pelos donos de capital. São os burgueses, o patronato que independentemente da maior ou menor sensibilidade que possam ter cada qual reproduzem as desigualdades.

Desse modo, a atividade política que se proponha a dar combate à permanência desse sistema de espoliação deve agir em várias frentes, nomeadamente a da conscientização, através de todos os meios possíveis sem necessitar e até evitar o uso de meras consignas vazias, porém esclarecendo pedagogicamente como funciona a maior e mais robusta corrupção que é promovida pelo capital.

Além disso, é conveniente desenvolver modos de organização mais ágeis e de alcance e irradiação capilar de maneira a que todos os espaços possíveis possam ser acessados para que os seus integrantes promovam mobilizações e, com isso, fazer chegar à sociedade como um todo os pleitos de sorte a maximizar a democracia de massas, caminho possível, embora trabalhoso. E esse processo de esclarecimento deve ser iniciado junto àqueles que tenham o papel de coordenar e liderar esse processo de transição via uma sociedade não capitalista.

Isso não é um mero delírio. Trata-se de uma possibilidade que requer muito convencimento junto aos que julgam que unicamente cabem aos foros funcionais e as instituições vigentes a tarefa das alterações no corpo de uma sociedade de cidadãos.

Não é uma proposta que inclua necessariamente a pregação da violência. Na verdade, a violência presente cotidianamente na realidade se encontra no nosso modo de vida, que impede que se implante o reino da fraternidade, única capaz de contemplar os desejos da imensa maioria da comunidade internacional.

Vale lembrar que os ianomâmis sonham embalados pela memória de seus antepassados, e o próprio significado de sua designação tem a ver com a de ser humano. Mais uma razão para que não os deixemos a sós entregues à sanha de especuladores e exploradores da natureza e dos povos da floresta.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


PATROCÍNIO

 


Tribuna recomenda!