Por José Carlos de Assis

Os que não compreendem o prolongamento aparentemente desnecessário da guerra da Ucrânia talvez não estejam entendendo os objetivos estratégicos de Vladimir Putin.

Ao presidente da Rússia não interessa um acordo de paz com a Ucrânia. Ele quer um acordo de paz com os Estados Unidos, envolvendo a questão maior da segurança europeia e mundial. Aliás, ele já disse isso claramente: quer um entendimento direto com Joe Biden.

É Biden que não quer o acordo. A estratégia norte-americana, conduzida pela liderança de um país que está sofrendo as consequências da perda da hegemonia militar mundial, é esmagar a Rússia dentro de suas próprias fronteiras, deixando que se esgote sob as sanções internacionais. Se isso vier junto com o enfraquecimento econômico da China, será um duplo ganho: os dois gigantes da Ásia estariam de alguma forma contidos fora da “orbita democrática”.

Isso explica porque as potências secundárias da Europa – Alemanha, Grã-Bretanha, França e Itália, além dos próprios Estados Unidos – continuam fornecendo carregamentos em cima de carregamentos de armas para o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, mesmo depois que a principal revindicação russa na guerra, a neutralidade ucraniana, em princípio foi aceita.

A questão de Putin, portanto, não é com a Ucrânia nem com seu presidente fanfarrão. Aliás, se fosse, já teria aceito um encontro direto com ele, ao qual se tem recusado. De fato, a única forma de proteger contra a OTAN as fronteiras russas, sua principal preocupação, é mediante a delimitação de áreas de influência com um amplo acordo com os Estados Unidos.

A imprensa ocidental não está conseguindo ver essa obviedade: vê os fatos, as pilhas de mortos, mas não o que está por trás delas!

Essa guerra poderia ter sido evitada se um único estado europeu dentre os 30 integrantes da OTAN tivesse se manifestado contra a entrada da Ucrânia na entidade. Teria sido evitada também se Zelenskky não tivesse insistido, de forma pretensiosa e arrogante, em forçar a entrada na OTAN. Ou se não decidisse, em 2017, por um decreto, anunciar o propósito de reconquistar a Crimeia. Em uma palavra, o presidente ucraniano, com sua inexperiência, colocou a política interna acima da geopolítica, e as abstrações (defesa da democracia, da soberania, dos direitos humanos etc) acima da realidade crua das relações de poder internacionais.

Aliás, é tempo de reconhecer abertamente a verdade da geopolítica sob o véu que recobre a hipocrisia dessas relações: democracia é um conceito abstrato. Ninguém o definiu. Foi o que Xi Jinping disse a Biden, quando o presidente norte-americano tentou recolocar sob as asas dos Estados Unidos, em novembro do ano passado, 110 países supostamente democráticos do mundo. É que cada país define sua própria democracia, disse Xi. Poderia ter acrescentado que isso vem desde a origem da própria palavra: etimologicamente, democracia é, segundo o termo grego pré-clássico, o governo dos proprietários de terra (da Grécia primitiva), e só em tempos modernos assumiu o sentido de governo das burguesias, um conceito realista e ainda assim limitado.

O resultado dessa manipulação conceitual feita pelos ocidentais, utilizando-se da Ucrânia para provocar os russos, acabou se transformando numa carnificina na Europa. Não maior, porém, do que em outras guerras do mundo contemporâneo, quando suficientemente impactantes pelo efeito que têm ao serem mostradas nas televisões de todo o planeta tendo em vista justamente suas implicações geopolíticas, inclusive na forma de uma recidiva da “política de blocos” e da Guerra Fria.

JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Autor de “A Era da Certeza”, que acaba de ser lançado pela Amazon. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


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