Por José Carlos de Assis

Bolsonaro quer cortar no principal tributo dos Estados, o ICMS, para que seja mantida a fórmula de reajuste dos combustíveis que garante bilhões de dólares de lucro às multinacionais do petróleo. Com o corte do ICMS ele poderia, pelo menos temporariamente, reduzir o preço do diesel à custa dos Estados e atender interesses de seus correligionários mais fiéis, os caminhoneiros. Tudo mantendo religiosamente a política de preços da Petrobrás. Diante disso, a pergunta relevante é: o que os Estados tem a ver com esse subsídio ao diesel, se não produzem combustíveis e estão financeiramente quebrados?

É certo, portanto, que os governadores muito provavelmente não aceitarão esse truque. Já estão quase falidos, não podem abrir mão de receita. Por isso Bolsonaro ameaça com uma decisão do Congresso de corte do imposto, em nome dos sacrifícios exigidos por “todo mundo” nesse momento de crise. Isso equivaleria a uma restauração do AI-5 pela via parlamentar. Na verdade, é a isso que deve se reduzir a propalada reforma tributária: mais uma tentativa de morder os recursos estaduais em favor da centralização na União.

Mas o corte de ICMS para subsidiar o diesel é um excesso. No fundo, Bolsonaro e Guedes sabem que isso não acontecerá, pois há coisas tão absurdas que nem um Congresso submisso pode aceitar. A iniciativa é um gesto para fazer os caminhoneiros de idiotas. Bolsonaro quer parecer bem na fita diante deles, fiéis eleitores contra Lula, dizendo que essa é a forma de diminuir o preço do diesel. Com isso espera ganhar algumas semanas de discussão parlamentar sem consequência prática, culpando os governadores pelo preço do diesel.

Tudo isso decorre da tentativa fracassada e intensamente reprimida da greve dos caminhoneiros. Ingenuamente, a maioria deles foi convencida pela liderança de que poderia exercer sem repressão seu direito à paralisação.

Seu ativo político consistia, e ainda consiste, no forte apoio que dera a Bolsonaro nas eleições. Não contava com a real impossibilidade de mudança dos preços dos combustíveis pela Petrobrás. A razão foi muito francamente exposta em entrevista formal pelo próprio presidente: a “inserção internacional” da empresa. Numa palavra, os acordos secretos com as multinacionais do petróleo e os acionistas externos.

Como se explica, porém, o ódio de grande parte dos caminhoneiros a Lula, refletido no apoio irrestrito a Bolsonaro, mesmo quando ele lhes nega até mesmo o direito à greve? Em essência, tudo não passou de uma iniciativa bem intencionada de Lula, mas que foi um tiro pela culatra. O ex-presidente usou o BNDES para ampliar o financiamento a caminhões. O programa foi um sucesso. A frota cresceu rapidamente. Mas, em consequência, a concorrência por carga aumentou. Os preços caíram. Os caminhoneiros supostamente perderam renda, num processo agravado pelo aumento do diesel e a queda da economia. A culpa por tudo isso recai sobre Lula.

Agora, Bolsonaro começou a manobrar para jogar nos governadores e no Congresso a culpa pelo preço do diesel que a Petrobrás joga nas alturas, através de uma fórmula arbitrária (PPI) que traz para dentro da economia os custos internacionais e a variação do dólar. Deve-se reconhecer nele uma grande habilidade em fomentar contradições. Evita que o verdadeiro culpado seja reconhecido. É uma boa técnica nazista: o culpado são os judeus. Em lugar de culpar a Petrobrás e o Governo pela política de combustível, os caminhoneiros destilarão seu ódio contra os governadores e o Congresso Nacional, caso estes rejeitem, como provavelmente farão, o subsídio ao diesel pelo ICMS proposto por Bolsonaro.

Quanto à mudança da fórmula de cálculo dos reajustes do diesel, que seria essencial para atender às demandas dos caminhoneiros por um preço menor, Bolsonaro não se deu ao trabalho sequer de promessas evasivas: disse claramente que não mudará a política da Petrobrás. Esta última correu para esfriar os ânimos com o anúncio de medidas hipócritas, entre as quais a aplicação de reajustes anuais e não trimestrais. Na prática, nem isso deve sair. E, se saísse, seria apenas outra mordida na renda dos caminhoneiros, em ritmo anual.


JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.