Por Lincoln Penna

“O brasileiro não evita, mas tem vergonha de ter preconceito”.

Assim, o sociólogo Florestan Fernandes definiu o comportamento médio de seus compatriotas, especialmente aqueles situados nas camadas médias urbanas e moradores das principais metrópoles do país, no início da década de 1960.

Ter vergonha de ter preconceito se estende também a toda sorte de manifestação a exigir um posicionamento de quem é instado a fazê-lo diante de algum tipo de indagação relativamente a opiniões que são necessariamente políticas. Geralmente esse comportamento arredio mascara uma atitude ideológica, aquela na qual o indivíduo indagado reluta em expor sua opinião para não se comprometer.

A intolerância que caracteriza as pessoas reacionárias apresenta esse tipo de comportamento. No fundo, elas temem a censura pública de seus silêncios na convicção de que assim agindo podem se manter alheios à eventuais críticas. Dessa maneira, esse cuidado de ocultar as ideias foi há algum tempo definida como pertencente ao que se convencionou chamar de “maioria silenciosa”. Tendencialmente conservadora, nessa legião de mudos escondiam-se os intolerantes, atitude típica dos que apostavam em decisões de governos rígidos em relação à defesa das tradições.

Distantes dos debates políticos das correntes de direita e esquerda esse contingente social passaria a ser presa fácil de uma extrema-direita que arrebanhou para o seu objetivo essas pessoas, a partir de uma campanha segunda a qual a política e os políticos não prestavam. Para este discurso, era preciso a adoção de um governo forte em condições de expurgar a cansada cantilena de velhos corruptos dos falsos representantes do povo abrigados em partidos políticos incapazes de satisfazerem os seus interesses.

O fascismo surgiu desse suposto desencanto pela política. É verdade que o contexto de uma crise iniciada e aprofundada pela Grande Guerra finda em 1918 e que estendeu seus malefícios até à eclosão da Grande Depressão de 1929. Estes fatos ensejaram as artimanhas de seus ideólogos e, com isso, a possibilidade de empolgarem o poder, já presente na Itália desde 1922, e entre 1933 e 1934 com a consolidação do nazismo na Alemanha.

O advento desses regimes fundados na intolerância e no anticomunismo despertou a silenciosa até então massa francamente adepta para o emprego de soluções extremadas.

Jair Bolsonaro como Adolf Hitler durante protesto na capital paulista. (AFP)

A repercussão nesse sentido foi imediata em vários países, inclusive no Brasil haja vista a imprensa brasileira da época ao saudar a ascensão desses regimes em seus editoriais e páginas consagradas a irrupção de governos a caminho do totalitarismo. E não demorou muito quando surgiu em 1932 a Ação Integralista Brasileira (AIB).

Assim, pela primeira vez – afora o advento na segunda década do século XX da teoria do branqueamento a circular nos meios letrados – aflorara de maneira a irromper nos grandes centros a defesa de um patriotismo avesso a toda e qualquer solidariedade, tal como vinha ocorrendo na Europa sob inspiração nazifascista. Bastou, no entanto, o término da Segunda Grande Guerra e consequentemente a derrota desses regimes totalitários para que de novo essa ideologia da intolerância se escondesse.

Era preciso reativá-la, e ela veio com a eleição de uma nova modalidade de rejeição a combinar o velho e surrado anticomunismo com o antipetismo no embalo de uma estratégia a lhes garantir sustentação “jurídica”, a Operação Lava Jato, cujo objetivo era a criminalização da política e seus agentes mais perniciosos, ou seja, as lideranças populares empenhadas em modificar a orientação das políticas econômicas e sociais, principalmente nos países emergentes, como o Brasil.

Acolhida pela grande mídia financiada pelos representantes do grande capital alinhada com as forças conservadoras arredias a mudanças que limitassem ao menos à terrível desigualdade social, os mentores e operadores dessa estratégia lograram sucesso num primeiro momento. Foi preciso que as evidências flagrantes relacionadas aos processos sumários viessem à tona, e dessa vez o STF acolheu a inconsistência das ditas “provas” de corrupção personalizadas, dado que a prática da corrupção sistêmica existe e acontece em sistemas movidos pela ganância desenfreada pelo lucro fácil.

Eis que mentores e ideólogos derrotados com a liberação do ex-presidente Lula e o próprio Lula passaram a se enfrentar na eleição deste ano de 2022. De novo, reacenderam-se as artimanhas dos que passaram a defender a candidatura à reeleição de Jair Bolsonaro, que havia se beneficiado daquele ardil montado para afastar Lula nas eleições de 2018. Nesta campanha, o capitão da reserva do exército nacional contou com o voto quase envergonhado de seus eleitores, de modo a nos fazer lembrar o dito de Florestan, ele próprio deputado que foi do PT.

Também de novo foi retomada a campanha articulada para tentar desqualificar Lula e reativar a tal “maioria silenciosa” que costuma manter seu obsequioso direito de não se manifestar politicamente, mas que dessa vez o fez com surpreendente alarde. De forma a criar as condições para que essa malta de seguidores do “Mito” viesse a exercer um papel que não figurava em sua história de eleitores quase secretos. O pior é que foi com essa gente de classe média que o fascismo ganhou corpo numa sociedade europeia dilacerada pelos efeitos da guerra e da agressão à democracia.

Concluído o pleito eleitoral convém que os democratas de suas diversas representações orgânicas se acautelem para os possíveis embates que poderão vir a acontecer. Sejam eles de natureza constitucional e, portanto, legítimos; ou de forma anticonstitucional, como foi ensaiado logo após a decretação da vitória de Lula nas urnas. O fascismo como ideologia não suporta o exercício do contraditório, logo não se deve descartar essa advertência por princípio.

Manifestantes protestaram contra o presidente Jair Bolsonaro, carregaram faixas contra o racismo e o fascismo e a favor da democracia, em 2020. (Reprodução)

Por fim, cabe reforçar essa advertência segundo a qual com o fascismo não prosperam os embates com base na argumentação de ideias. É preciso que as correntes democráticas criem desde já formas de defesa das instâncias democráticas através da conscientização, organização e mobilização sempre que necessárias de núcleos dispostos a barrar as investidas da intolerância fascista, sem o que a democracia corre sempre perigo. E para enfrentá-lo só a resistência do povo.

Assim foi nas lutas antifascistas e assim sempre será.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

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