Por Luiz Nassif

Explicando os processos que me são movidos pelo desembargador Luiz Zveiter, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

A motivação jornalística

Qualquer demonstração excessiva de poder, e de abuso de poder, ainda mais por autoridades, é tema jornalístico. Uma das grandes missões jornalísticas, aliás, é lutar por equidade em todos os níveis, no direito à informação, nas disputas políticas e judiciais.

Foi o que me levou, em outros tempos, a investir contra o massacre da Escola Base, Bar Bodega, casos Cláudia Liz, entre outros.

O poder do desembargador Luiz Zveiter me chamou atenção no episódio de prisão do ex-governador Anthony Garotinho. Ele foi tirado de maca, de um hospital, foi carregado para um carro da polícia, ante os gritos desesperados de sua filha – tudo sob uma cobertura cruel da Rede Globo. Depois, no presídio, Garotinho denunciou a agressão que sofreu na cela.

O TJRJ mostrou um laudo do setor de Segurança Eletrônica do tribunal, que comprovaria que nenhuma invasão da cela foi detectado pelas câmeras instaladas. Laudo do Ministério Público Estadual, no entanto, constatou que, na hora da agressão, as câmeras foram desligadas.

O laudo do MP-RJ foi produzido após o exame criterioso de 269 arquivos armazenados em 16 pastas.

“Nosso laudo demonstra, sem sombra de dúvidas, que, por volta das 23h, houve um desligamento do sistema de câmeras que foi religado à 1h36. Há provas de que foi religado por ação humana e não por defeito. Nosso estudo não pode afirmar que houve nem que não houve agressão a Anthony Garotinho. O que o laudo do MPRJ afirma é que as câmeras foram desligadas naquele dia por ação humana”.

Houve um claro viés do laudo do TJRJ, mais uma vez, acrescentando mais um episódio à lista de perseguições a Garotinho.

O que acontecia atropelava todas os princípios do direito. Era um caso explícito de abuso de poder, com endosso da maior emissora do país. Em um país que se pretende civilizado, não poderia nunca acontecer aquela perseguição.

Foi o que me chamou a atenção.

Escrevi sobre a cena dantesca da sua prisão e, através dos comentários, recebi informações sobre a perseguição implacável que ele sofria em sua cidade e no Rio de Janeiro, com atuação explícita de um juiz estadual, um delegado da Polícia Federal e dos tribunais superiores. Ali apareceu a figura de Luiz Zveiter, alvo das críticas de Garotinho e apontado por ele como o articulador das represálias que sofria.

Cumpri uma função jornalística de garantir o direito de informação em um tema em que a mídia corporativa não cumpria com suas obrigações.

Várias matérias foram publicadas sobre o tema pelo GGN:

>>A perseguição implacável contra o casal Garotinho

>>Defesa de Garotinho e Rosinha alega politização do MP e diz que prisão é ilegal

>>Vivemos tempos sombrios, grilhões se ouvem como aplausos, diz desembargador que soltou o casal Garotinho

>>O estranho caso do delegado que prendeu Garotinho

O caso Zveiter

O Rio de Janeiro estava abalado pela revelação das intrincadas relações de poder, com denúncias contra executivo, legislativo e Judiciário.

Zveiter é um juiz, no mínimo, polêmico. Há inúmeras reportagens críticas e de denúncias sobre ele e uma opinião unânime sobre sua influência e poder no Tribunal. Ao mesmo tempo, coleciona grandes vitórias, em condenações dos críticos – em processos que sempre correm no TJRJ.

Há reportagens sobre indicações políticas suas ao tribunal, denúncias de abusos de poder em tribunais desportivos, denúncias em licitações. Recentemente, noticiou-se que a delação do ex-governador Sérgio Cabral à Polícia Federal apontava propinas pagas a Luiz Zveiter no rumoroso caso da construção da sede do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Zveiter foi denunciado ao CNJ e, posteriormente, absolvido. Como a delação de Cabral não veio acompanhada de provas, deve ser ignorada.

Não é o caso de detalhar aqui todos os casos; Apenas exemplificar que há anos Zveiter é personagem de inúmeras matérias e denúncias, algo inédito entre presidentes ou membros do Judiciário.

Em cima de reportagens com fontes de credibilidade, decidi jogar um pouco de luz nessa estrutura de poder centralizada em Zviter.

>>Xadrez das organizações que dominam o Rio de Janeiro

>>Xadrez das organizações que dominam o Rio – parte 2

As ações de Zviter

Zveiter abriu duas ações contra mim – no cível e no criminal. Escolheu a Justiça do Rio, seu território, para me julgar.

A ação cível correu em tempo recorde, com o juiz de primeira instância me condenou a uma multa elevada, com bloqueio de valores na conta e proibição de voltar a criticar Zveiter nos meus artigos.

Paralelamente, uma ação de Eduardo Cunha chegou ao TJRJ e foi acatada pelo desembargador Cleber Ghelfenstein. Fui condenado a uma multa elevada por “difamar” Eduardo Cunha, equiparando-o a um sonegador.

Fiquei curioso em saber quem era o desembargador que me condenava por difamar uma pessoa condenada e presa por crimes muito mais graves do que a sonegação.

Aí fui dar com um processo movido por Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, contra o jornalista Juca Kfoury. Ghelfenestein não acatou a apelação de Teixeira, com argumentos cristalinos:

Écerto que a matéria é crítica e demonstra, um tanto, a insatisfação, à época e ainda evidente, da sociedade civil com os escândalos que insistem em assombrar nosso esporte, especificamente o futebol masculino nacional. Contudo, diversas notícias envolvendo o autor, então presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), foram publicadas por outros veículos da imprensa, algumas com fortes denúncias sobre sua conduta à frente da referida instituição, não havendo, nos presentes autos, qualquer informação acerca de eventuais medidas porventura tomadas pelo autor. Nesta senda, em que pesem os eventuais danos de ordem moral sofridos pelo autor, não restou comprovada a conduta à frente da referida instituição, não havendo, nos presentes autos, qualquer informação acerca de eventuais medidas porventura tomadas pelo autor. Nesta senda, em que pesem os eventuais danos de ordem moral sofridos pelo autor, não restou comprovada a conduta ilícita imputada ao réu, já que estamos diante, em verdade, do regular exercício do direito de informar, expressão da própria liberdade de imprensa, sem a qual o Estado Democrático de Direito sobreviveria.

Conforme publiquei no GGN, uma pequena lista das condenações de Eduardo Cunha:

Acusações: corrupção passiva, lavagem de dinheiro. É a segunda condenação. Foi acusado de receber US$ 5 milhões em propina em contratos de construção de navios-sonda da Petrobras. Cumpre prisão domiciliar.

Condenação – além da multa, confisco de quatro carros de Eduardo Cunha para que valor seja revertido em favor da vítima, a Petrobras.

Outras condenações – em março de 2017, condenado em primeira instância a 15 anos e 4 meses por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. A propina teria sido paga por um contrato de exploração de petróleo em Benin, África, e uso de contas no exterior para lavar dinheiro.

Em abril de 2019, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal negou, por unanimidade, anular a pena de lavagem de dinheiro.

Sonegação é crime conexo à lavagem de dinheiro. Ou seja, só poderá haverá lavagem de dinheiro, se houver algum crime antecedente. Portanto, antes de lavar dinheiro, a pessoa cometeu algum crime, propina, atividade criminosa (tráfico) ou sonegação fiscal.

Ora, Eduardo Cunha não só tinha muito mais reportagens de denúncias, como estava preso e condenado por crimes muito mais graves. Como podia o desembargador usar dois pesos e duas medidas tão desequilibradas assim?

Uma pesquisa na Folha mostrou que Ghelfenestein foi nomeado desembargador em 2008, pelo 5o constitucional. Na época, a indicação foi denunciada por outro juiz, que acusou o Tribunal de montar esquemas visando promover pessoas próximas aos desembargadores.

A resposta à denúncia foi dada pelo então corregedor do TJRJ, Luiz Zveiter, mostrando sua responsabilidade na indicação assim como, recentemente, seu protagonismo na indicação da filha do MInistro Luiz Fux ao TJRJ.

Esta semana fui depor no processo penal que ele me move. O processo está em uma vara criminal do TJRJ. Ele compareceu pessoalmente ao interrogatório. Nada falou, mas é um desembargador, com notória influência no tribunal, conferindo pessoalmente a atuação do juiz e da procuradora. Respondi apenas às perguntas do meu advogado, Alexandre Mallet, reiterando os meus objetivos com as reportagens.

Lida a acusação, o ponto mais relevante foi a informação de que, pouco antes, eu já havia sido condenado por difamação pelo desembargador Ghelfenstein. Não foi mencionado em qual processo houve a condenação.

Pergunto: qual a chance que terei nessas ações?

O país está em uma enorme escalada de desrespeito aos direitos, de polarização, ameaças ao jornalismo. E, depois dos desgastes com a Lava Jato, a restauração do Judiciário é passo essencial na volta à normalidade democrática.

Relato o que está ocorrendo pela minha fé profunda de que o Sistema Judiciário tem formas de autocontrole e, depois da lambança da Lava Jato, há uma vontade da maioria de restaurar a legitimada do poder.

(Fonte: GGN)

LUIS NASSIF é jornalista, fundador e editor do portal de notícias GGN, foi colunista e membro do conselho editorial da Folha de S. Paulo, escrevendo por muitos anos sobre economia. Também é compositor, bandolinista e pesquisador de choro.

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