Por José Macedo

Inicio este artigo, com uma citação de ALDOUS HUXLEY: “A democracia permite que criaturas abomináveis conquistem o poder”. O que me motivou a escrever esse texto está resumido no título.

Há tempos, questiono a existência da democracia na forma de sua definição, considerando as dúvidas suscitadas e demais pontos que fazem parte da reflexão, ora aduzidos. Meu ponto de partida é o de sua definição: “O governo do povo”, demo=povo, kratos=governo.

Na Grécia Antiga, precisamente, Atenas, berço da democracia, já indicava suas contradições e insatisfações, por não atender às necessidades da maioria, vista por críticos como excludente. As assembleias, em praça pública (Ágora), dela participavam membros, escolhidos pelo critério de sua “boa condição social”. Assim é que, decidiam, legislavam e administravam a polis. As mulheres, os escravos e estrangeiros não participavam das decisões politicas, eram excluídos e párias. Na verdade, uma minoria, cerca de 10% desfrutavam dos direitos democráticos, uma negação de sua formal definição, repito. Sócrates, em seus ensinamentos dizia: “A democracia era o governo dos ignorantes”. Eram os homens livres nascidos na cidade, que possuíam o direito do votar e eram beneficiários da elegibilidade. Para Sócrates, o voto exige habilidade, sabedoria e educação. Por isso, esses direitos não deveriam estender-se a qualquer um. Seu modo de pensar foi criticado e rotulado de elitista. Entendo que Sócrates tinha como objetivo o de valorizar a educação, até porque era professor renomado, que mantinha grande influência entre jovens e na polis. Sócrates não foi condenado por desvirtuar jovens, mas por suas críticas.

Com essa introdução, observemos o que acontece entre nós brasileiros, quem manda na política, quem determina a forma e o grau de participação na chamada “democracia”, quem legisla, quem exerce e influencia o processo eleitoral, quem usufrui da riqueza e do crescimento econômico. O parlamento brasileiro foi fatiado por grupos, o da bala, das igrejas neopentecostais, dos bancos, do agronegócio etc. Assim, o processo eleitoral perde credibilidade como instrumento para o exercício da democracia, desmerecendo-a. Uma recente pesquisa da Universidade de Colúmbia (Nova York), apurou que, no Brasil, 83% da população está insatisfeita com os rumos da “democracia”, e que, 32% afirma não valer a pena dialogar com as pessoas que pensam diferente. A intolerância, o radicalismo politico e o ódio são fenômenos mundiais e, ao que parece, no Brasil é Record. Essa pesquisa incluiu 27 países e foi divulgada, acredito, no mês passado, pela Pew Research Center e o Institut Ipsos. Diversos estudos promovidos por especialistas e Universidades preveem, para os próximos meses, muitas dificuldades e incertezas, agora, agravando-se com a pandemia e a comprovada incapacidade do governo brasileiro para enfrentar a crise sanitária. O artigo 14, caput, da Constituição Brasileira de 1988: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal, pelo voto direto e secreto com valor igual para todos”. Portanto, o voto popular terá de ser livre, expressar a vontade do eleitor, distante e isento de influência externa e do abuso econômico.

A mídia e demais meios de comunicação produzem e divulgam falsas notícias (fake news), inegavelmente, são agentes relevantes no desvirtuamento do processo eleitoral e na formação de opinião não podem ficar de fora do presente texto, em função de suas influências na formação de opinião. Nas eleições de 2018, essas influências foram visíveis e responsáveis pela divulgação de mentiras e ofensas, prejudicando os candidatos adversários. O interesse da mídia é o de levar vantagem, eleger seu candidato, impor sua ideologia e obter o poder sob sua influência. Do mesmo modo, grupos econômicos são garantidores financeiros dessas das propagandas veiculadas, refletindo, negativamente, viciando o resultado eleitoral.

A lei eleitoral prevê a anulação desses pleitos, no entanto, a Justiça, o que é lamentável, não consegue ser efetiva e célere, por todas as razões, dificuldades criadas, incapacidade e até, omissão, significando impunidade, no perverso ciclo vicioso. Esses desvios e omissões, de todos lados, corroboram e confirmam o tão comentado colapso da democracia, incertezas e suas seguidas crises. Acompanho, diuturnamente, a história econômica brasileira, a política dos governos, após observações, a conclusão é de pessimismo, descontentamento com as instituições, resultando no sentimento de frustração com relação a partidos políticos, governantes e instituições que, com raras exceções, são incapazes, corruptos ou omissos. Essa frustração popular é a semente eficiente para a eleição de governantes “abomináveis”, do autoritarismo e ditos outsiders. Nessas circunstâncias, sem dúvida, a democracia, no meu sentir, e para o homem médio e cidadão de bem, é um mero desejo, uma utopia, restando sonhos e idéias.

As idiossincrasias produzidas pela prática de supostos movimentos democráticos têm sido uma farsa e incerteza para a maioria das pessoas. Thomas Morus é um exemplo de reação dessa indignação com sua “Utopia”. Rousseau, pai do iluminismo e inspirador da Revolução Francesa e seu ideal de liberdade, Igualdade e fraternidade é um outro exemplo. A democracia, em todo tempo, não cumpre a função, segundo sua definição original, de “governo do povo”. Ao que se observa, a democracia é utilizada como ,instrumento e disfarce para o enriquecimento sem causa de uma minoria, algoz e inescrupulosa. Na prática, os grupos econômicos, os que atuam no processo eleitoral, viciam as eleições, alcançam resultados que lhes convêm, não importando assim os ilícitos praticados. Essa é, na prática, a democracia, que conhecemos. Os poderes da República tornam-se presas fáceis desse processo perverso, e corruptível, escancarando descrenças e as entranhas de uma democracia fracassada. Então, democracia e República se unem nesse disfarce em que nos encontramos, imaginariamente, seguros ou garantidos por uma Constituição democrática e suposto Estado Democrático de Direito.

A democracia, nascida em Atenas, da antiga Grécia, 500 anos, antes de Cristo, apesar de excludente, dava a esperança de que seria eficiente, capaz de superar a tirania, promover a igualdade, fracassou, através dos tempos. Após séculos, não alcançou seu objetivo e desejos. Mas, foi com Marx e Engels que se vislumbrou a perversidade dessas relações e foi deles as definições e fundamentos teóricos precisos da exploração do homem pelo homem. Marx descortinou a relação de poder entre as classes sociais. No Capitalismo, a democracia é um regime político impossível de atender as necessidades de todos, a igualdade e o respeito à vida, enfim, o bem comum. O Capitalismo inexiste sem desigualdade, sem exploração da mão de obra do trabalhador, sem a acumulação de riqueza em mãos de uma minoria, Porque é sua lógica. A democracia formal é instrumento garantidor das benesses e dos que detêm o poder econômico de uma minoria proprietária dos meios de produção e da riqueza. Quando os excessos ocorrem, pondo risco nos objetivos dos detentores do poder econômico, neste instante, são feitas correções, eles mesmos promovem as reformas, desde que não comprometam interesses dessa elite. Assim, no caso brasileiro, com a abissal desigualdade socioeconômica, com desemprego, com milhões na informalidade, com miséria e a fome, com a saúde pública precarizada, a má qualidade da educação pública, milhões de crianças fora da escola, a democracia não vai além de nosso desejo.

No Brasil, o pessimismo e descrença na democracia crescem, seguindo pesquisas e estudos, em função desses indicadores, enfatizando a exclusão social. Chamo a atenção às dificuldades de acesso à justiça, das dificuldades de acesso a serviços de saúde, o desemprego, e milhões de brasileiros na informalidade, entre outras necessidades básicas, como moradias populares dignas, o que levam à fome e à miséria. A as últimas estatísticas do IBGE apuraram que 13,5 milhões de brasileiros vivem com uma renda mensal de R$ 149,00; desses, 10 milhões são pretos e pardos; a desigualdade aumenta exponencialmente e preocupa, quando, 10% de ricos ganham 13 vezes a mais do que os 40% da população mais pobre. Assim, é impossível imaginar uma democracia, um governo do povo e para o povo. Sabemos que não existirá democracia sem desenvolvimento econômico, entendendo-se como distribuição de renda e mais igualdade tendo a população no geral usufruindo da riqueza produzida no país. Volto a comentar sobre o enfraquecimento dos partidos políticos e seu desprestígio, quando, políticos e pessoas em geral desmerecem essas entidades, deixam de fazer críticas aos erros e omissões de alguns de seus membros, para atacar a instituição, tenho repetido, em diferentes oportunidades, estão prestando um desserviço à democracia.

A eleição do Bolsonaro, em parte, resultou de seus ataques à esquerda, aos partidos e aos políticos, mostrando-se um outsider, uma deslavada mentira, porque ficou, por quase 30 anos no parlamento, ficou rico, ele e os filhos. Porém, esse sentimento de frustrações popular acreditou no primeiro aventureiro que assim se apresentou, salvador da pátria, hoje, visto como autoritário, “abominável” destruidor de princípios democráticos, construídos, neste país, no último século, pelo menos. Mas o sentimento negacionista e de ódio, que assistimos no curso das eleições de 2018, perduram.. Por isso, o Bolsonaro detém mais de 30% de apoiadores, apesar dos males praticados contra a democracia, a economia e a nossa soberania, nesses 18 meses de governo.


JOSÉ MACEDO – Advogado, economista, jornalista e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.