Por José Carlos de Assis

A greve dos caminhoneiros foi suspensa por força de um interdito proibitório. Em termos resumidos, interdito proibitório é a situação na qual a Justiça protege latifundiários e empresários do risco de ocupação de suas propriedades por grevistas. Até aí tudo bem. É o processo clássico pelo qual o capital defende seus interesses em face dos trabalhadores. Contudo, há agora uma contradição. Quando se trata de caminhoneiros autônomos, o trabalhador é o dono do caminhão.

Que autoridade tem a justiça para obrigá-lo a trabalhar?

Claro, ela tem por trás a sombra de Bolsonaro. É o aparato governamental que se moveu para proteger o capital, na medida em que o bom e aplicado capital é o principal destinatário dos transportes de carga. A decisão da Justiça rouba do trabalhador o último instrumento que tem para reivindicar seus direitos, a saber, a retirada de sua força de trabalho do mercado de forma pacífica. É simplesmente nojento. É evidente que isso não acontece em nenhum país democrático, ou minimamente civilizado.

Repita-se, a Justiça não pode obrigar ninguém a trabalhar, a não ser em regime de escravidão. É um esbulho não de propriedade, mas do trabalhador. Na essência trata-se de mais uma provocação da classe dominante que já tomou dos trabalhadores os direitos trabalhistas assim como os direitos previdenciários. Tudo isso significa que não há mais respeito pelos chamados poderes da República. O Executivo é uma chicana. O Congresso, depois do que se viu na quarta-feira, virou uma pocilga de negócios de votos. E a Justiça é uma banca em prol da classe dominante.

Repita-se, a Justiça não pode obrigar ninguém a trabalhar. Sobretudo numa circunstância de uma greve absolutamente justa que confrontou o apetite ganancioso da direção da Petrobrás e do Ministro da Infraestrutura de oferecerem favores, na forma de bilhões de dólares, a petrolíferas estrangeiras, em detrimento dos caminhoneiros e do país. Isso é absolutamente indecente. E apenas uma paralisação dos caminhoneiros poderia impedir a continuação desse roubo, já que os poderes da República estão vergonhosamente omissos.

Evidentemente que tudo isso, em algum momento, será liquidado pelas forças sociais. Gostaria que fosse à maneira de Gandhi ou de Luther King, mas temo que a acumulação de ódio contra Bolsonaro, contra o Governo, contra o Congresso e contra o Judiciário se transforme num levante sangrento do tipo que vem acontecendo nos Estados Unidos.

Que os caminhoneiros não se sintam derrotados: isso é apenas o primeiro ato. De um ou outro dirigente social começo a ouvir o único som deixado ao povo, o som do levante.


JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.