Por Jeferson Miola

vitória épica do Lula em 30 de outubro não extirpou o fascismo que habita o Brasil. Seria muito ingênuo, aliás, se esperar alguma solução mágica e instantânea para desafio tão complexo e de raízes históricas profundas.

O fascismo habita o Brasil desde tempos longínquos; encontrou terreno fértil e se entranhou com facilidade por meio duma elite racista, escravocrata, patriarcal e truculenta como a brasileira.

Em momentos como o atual, de agudo conflito distributivo, a saída capitalista “drástica” com o fascismo é sempre uma “tentação” cogitada por uma oligarquia dominante pouco afeita à democracia, mas muito apegada ao desejo indomável e pornográfico de acumulação – que o diga o celeuma em torno da PEC do Bolsa Família.

Isso explica porque setores do grande capital, beneficiários da pilhagem fascio-bolsonarista, só tardiamente decidiram embarcar na “Arca de Noé” da democracia simbolizada na candidatura Lula/Alckmin.

Lula, o petismo e a esquerda equivalem ao judeu, ao cigano, ao comunista e ao gay da Alemanha nazista dos anos 1930; são os inimigos que precisam ser exterminados.

Os fascistas que barbarizam o país já estavam entre nós; pré-existiam de modo latente muito antes de assumirem essa forma orgânica e militante atual, agressiva e radicalizada.

Os fascistas já estavam aqui há muito tempo, não são seres extraterrestres; eles frequentam e dividem conosco o mesmo meio social, familiar, escolar e profissional.

O fascismo está profundamente entranhado na sociedade brasileira. E tem agentes infiltrados nas instituições de Estado – PGR, MP’s, PF, PRF, polícias militares, Forças Armadas, judiciário, universidades federais etc.

Moro e Dallagnol, assim como outros juízes, procuradores, policiais, fiscais e desembargadores, são exemplos notórios da atuação militante de agentes fascistas que instrumentalizam seus cargos públicos para imporem o projeto de poder da extrema-direita.

 Bolsonaro e o ex-juiz Moro durante solenidade oficial, em agosto de 2019. (Reprodução)

Bolsonaro é um vetor do fascismo; ele deu vez, voz e representação aos ressentidos e rancorosos. Ao “abrir a tampa da cloaca”, Bolsonaro liberou na arena pública essa energia até então contida no subterrâneo das plataformas digitais. Ainda não se conhece fórmula fácil para se devolver a pasta de dente de volta no tubo.

O bolsonarismo, facção fascista hegemônica no Brasil, tem um líder carismático, miliciano, militarista, ligado ao fanatismo religioso e conta com a adesão de amplas massas populares, não apenas de setores médios.

Nas últimas semanas recrudesceu a violência fascista contra eleitores, apoiadores do Lula e contra jornalistas, artistas, políticos, juízes e ministros do TSE e STF que não endossam as práticas antidemocráticas e criminosas das hordas fascistas. Passaram a pipocar, também, ações de bolsonaristas armados, que prefiguram a formação de milícias fascistas.

Enquanto essas atrocidades fascistas não forem exemplarmente punidas com base na Lei e seus perpetradores não forem presos, o vandalismo e a violência fascistas deverão escalar degraus.

A partir de 1º de janeiro o bolsonarismo já não mais poderá dispor da máquina poderosa de governo pela qual avançavam a construção de um projeto de poder reacionário, arcaico e autoritário, na perspectiva de uma contrarrevolução fascista.

Esta é uma grande notícia para a sobrevivência da cambaleante democracia brasileira. Caso o governo militar fosse reeleito, o Brasil já estaria mergulhado nas trevas.

É previsível que desde a vitória do Lula Bolsonaro tenha se descapitalizado politicamente. Os eventos de violência e de terror fascista protagonizados pelas hordas bolsonaristas devem ter afugentado uma parcela significativa dos 58 milhões de eleitores não-bolsonaristas [muitos deles antipetistas] que votaram em Bolsonaro.

Ainda assim, no entanto, o bolsonarismo continua sendo a principal facção da extrema-direita brasileira e, também, um elo de importância estratégica na engrenagem extremista e fascista internacional.

A capacidade de liderança do Bolsonaro no próximo período dependerá, porém, da superação de inúmeros percalços que ele enfrentará na esfera criminal. Independente disso, contudo, o bolsonarismo deverá fazer uma oposição combativa e destrutiva ao governo Lula/Alckmin.

O fascismo continua vivo, engajado, combativo, armado e afrontando o Estado de Direito.

O empenho para a contenção do fascismo será uma tarefa permanente, que demandará anos de esforço coordenado da sociedade brasileira, mais além de um mandato de quatro anos de governo, para a desfascistização do Brasil em moldes semelhantes ao processo de desnazificação empreendido pela Alemanha pós-nazista.

JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.

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