Por Lincoln Penna –
Com a Constituição de 1937, período do Estado Novo, o presidente Getúlio Vargas governou o Brasil até 1945 de forma ditatorial, concedendo benefícios aos trabalhadores e se aproximando ainda mais deles.
Francisco Campos, o autor da Carta outorgada do Estado Novo, sustentou em seu opúsculo “O Estado Nacional e suas diretrizes” (veja Imprensa Nacional) que a Revolução de 1930 só teria se concretizado de fato em 10 de novembro de 1937, quando da instauração do regime autoritário estadonovista. Em sua argumentação, a Constituição de 1934, promulgada pelos constituintes, teria sido inviabilizada pela política.
Argumento que tem sido constante por parte de quem lança mão de apetites antidemocráticos para legitimar os seus pendores autoritários, tal qual aconteceu com o golpe que decretou o Estado Novo. Ao invés da utilização da força do argumento, as vozes favoráveis às medidas antidemocráticas preferem o argumento da força. Por sinal, neste documento de Campos ele dizia: “O uso da violência, como instrumento de decisão política, passou para o primeiro plano”, e continua…” torna-se imprescindível reforçar a autoridade executiva…”
No curso atual das campanhas municipais desse ano de 2024 observa-se o emprego de conteúdos que tentam atrair o eleitorado – objetivamente temente cada vez mais com a espiral de violência nas diversas cidades brasileiras e a desconfiança nos políticos-, para se sensibilizarem com soluções imediatistas e com isso contar com o seu voto. Como é sabido a segurança pública além de ser legalmente um dever dos estados federados, deve levar em conta iniciativas de inclusão social. Logo, não é dobrando os mecanismos repressivos do aparelho público que se terá uma redução desse crescimento desastroso que afeta a insegurança.
Cabe, sim, aos gestores municipais com base nas suas guardas-municipais o papel de defesa da cidadania, jamais substituir as polícias, cuja atividade consiste basicamente em conter a criminalização também crescente e através de sua presença inibir atos de agressão aos cidadãos, como contravenções de menor porte, mas que deixa cada indivíduo inseguro em seu cotidiano. As razões dessa situação merecem uma boa análise, que se deixara para uma outra oportunidade.
O mesmo desprezo para com as franquias democráticas a estimular ações extralegais por parte dos aparatos policiais-militares, acontece quando se busca valorizar as eleições, sempre contestadas por essas vozes antidemocráticas. De novo, Francisco Campos já se manifestara a propósito de um dos pilares da democracia, isto é, os processos eleitorais. Dizia ele no citado documento: “A maior parte dos eleitores não se preocupa com a coisa pública (…) Passam a maior parte do tempo alheios às questões de política, de administração e de governo”. Trata-se de uma ideia que visa minimizar os instrumentos democráticos. E acrescenta:
“O sufrágio universal se mostra, dessa maneira, um meio impróprio à aferição e â crítica das decisões políticas. Estas se passam em regiões remotas ou inacessíveis à competência ordinária do corpo eleitoral. O problema atual não é, pois, o de estender o sufrágio, seja atribuindo o direito de voto a todo mundo, seja submetendo à competência do eleitorado todos os problemas do governo. Trata-se, ao contrário, de organizar o sufrágio, reduzindo-o à sua competência própria, que é a de pronunciar-se apenas sobre o menor número de questões…”
Hoje os ideólogos antidemocráticos que relativizam a democracia não chegam a tanto. Oferecem, contudo, atalhos para que se conclua a respeito da incapacidade de os eleitores elegerem os seus mandatários. Como bons tutores autoritários preferem que os mais supostamente adestrados resolvam os problemas que eles julgam do interesse geral.
Essa concepção de direita, ao contrário do que procura explicitar os seus porta-vozes hoje em dia, nada tem de liberal. Contra os liberais e o liberalismo o fascismo desde as suas origens deixara claro a suas contundentes críticas. Entre nós o regime autoritário estadonovista através da fala de um de seus mais competentes ideólogos, como Francisco Campos, já deixara claro essa oposição contrária ao liberalismo. Dizia ele, ainda reproduzindo a mesma fonte:
“O liberalismo político e econômico conduz ao comunismo (…) Toda a dialética de Marx tem por pressuposto essa verdade: a continuação da anarquia liberal determina, como consequência necessária, a instauração final do comunismo.”
Para combater essa “ameaça comunista”, Campos não media palavras. Considerava que o corporativismo “mata o comunismo”, como da mesma forma, dizia ele, “o liberalismo gera o comunismo”. Assim, discorre sobre a faculdade do corporativismo tornar-se o grande baluarte na luta anticomunista que vigora em seu tempo, mas que permanece tão atual quanto antes. Tão vivo que mesmo em eleições que deveriam dizer respeito aos problemas urbanos locais ela se encontra presente.
Nos anos de 1930 os ataques ao liberalismo, cuja escalada só era menor do que o anticomunismo, a ressonância não era pequena, justamente em face da insegurança das pessoas, facilmente cooptadas pelos discursos dessa natureza. Oportuno lembrar que estava naqueles tempos associada à Grande Depressão.
É curioso como as áreas sociais continuam a merecer o tratamento de fontes possíveis de subversão da ordem, manifestações dessa natureza no passado como no presente. Tal fato explica a força especialmente da educação. Neste sentido, Campos faz também uma menção que não pode deixar de figurar nessa reflexão que toma o passado não tão remoto assim e o nosso presente repleto de passados. Ao associar a liberdade com a educação, Campos traduz um exemplo dos mais eloquentes do anticomunismo associado à uma atitude antidemocrática, senão vejamos:
“Por mais extensa que seja a liberdade de discussão há de chegar um momento em que na trama do pensamento se insinua a crença, a fé ou o dogma. A própria liberdade, por mais numerosos e fortes que sejam os argumentos em seu favor, é, em última análise, um dogma, porque só a estimam e a procuram aqueles que a julgam um bem.”
O poder nas mãos de um executivo acima de todos os demais poderes, caros a um regime republicano, rendeu o que se tem conhecimento no passado uma vez que operou muito mais atos de lesa-humanidade do que amplos benefícios para que os povos ampliem a democracia como meio o mais adequado para se chegar à libertação do ser humano.
E essa plena libertação pode e deve ser o objetivo estratégico de uma nacionalidade constituída em torno de um autêntico Estado Nacional como base e representação histórica, cuja função não se restringe a prover as necessidades básicas de seus povos (no caso dos países que integram mais de uma nação, como aqueles de passado colonial, como os da América e boa parte dos continentes africanos e asiáticos); mas a de buscar uma harmoniosa integração internacional com vistas à formação de uma comunidade fundada na fraternidade universal.
É essa utopia como um vir-a-ser que assusta os podres poderes e seus mesquinhos interesses privados.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Secretário Geral do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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