Por José Macedo

Em uma rápida incursão na história econômica, em dado contexto, verificamos o surgimento de embriões da formação de classe e dos consequentes privilégios na estrutura social. Assim, Passo, rapidamente, pelo pensamento de economistas, do século XIX, David Ricardo, Malthus e Karl Marx. São estes de minha preferência.

Em 1817, o primeiro trouxe em seus “Princípios da Economia Política e da Tributação” a discussão sobre a posse, preço da terra e sua remuneração por meio dos aluguéis. No caso, ocorria uma apropriação maior e contínua, favorável aos proprietários na renda nacional. Ricardo foi influenciado por Malthus, em seus estudos e intuições: “A população cresce em progressão geométrica e os recursos disponíveis em progressão aritmética”. Ricardo raciocinava numa relação prolongada entre o crescimento da população e quantidade disponível da terra. A futura escassez da terra seria a responsável pela subida do preço dos aluguéis, seguindo a Lei da Oferta e da Procura. O passo seguinte dar-se-ia no desequilíbrio social, favorecendo os donos da terra. Para Marx, esse desequilíbrio originava-se, basicamente, da propriedade privada do capital industrial nas mãos dos capitalistas. Em ambos, havia a coincidência do desequilíbrio social, favorecendo uma classe, em razão da acumulação da riqueza e da renda em mãos dos detentores da propriedade, sejam os da terra, sejam os dos bens da produção industrial. Em 1884, Friedrich Engels, lendo anotações de seu amigo Marx, escreveu a “Origem da Propriedade, da Família e do Estado”.

No presente texto, meu objetivo é o de suscitar reflexões, trazer subsídios e revelar minha indignação. Então, cumprindo qualquer desses objetivos, fico satisfeito pela missão cumprida. A origem da desigualdade e da concentração da riqueza, sempre, esteve entre os temas mais estudados nas ciências sociais e na política. Nesse diapasão, certo: A extrema concentração de riqueza significa menos democracia e obstáculo ao exercício dos direitos humanos e fundamentais, individuais e coletivos, estes estão elencados nos artigos 5° e 6° de nossa Constituição de1988. A perversa, má distribuição da riqueza e da renda impedem a que a maioria da população não tenha acesso à educação, habitação digna, água potável, saneamento básico e à Justiça. Assim como, o índice de desemprego ou sua precarizado e a quantidade dos que estão na informalidade já são milhões. Na verdade, corremos o risco de uma iminente convulsão social. A atual crise sanitária mostrou as vísceras da fome e da miséria. No ano passado, segundo estudos da ONU, retornamos ao Mapa da Fome, o que é assustador, repito. Alguns indicadores utilizados para medir o nível de renda, conjugada à satisfação desses direitos mascaram e escondem a realidade.

Assim, refiro-me ao PIB (Produto Interno Bruto: somatório dos bens e serviços produzidos no país) e a Renda per capita. O cálculo do PIB tem passado por mudanças e aprimoramento no modelo de cálculo, porque não retratam o bem-estar social, não contabiliza as volumosas transferências de recursos internos para instituições financeiras internacionais e para paraísos fiscais, bens e serviços, além de ficarem de fora bens e serviços de natureza ilícita. Estes bens e serviços existem e sua exclusão ocorre por mero preconceito e hipocrisia. Credito a Karl Marx (1818-1883), o maior teórico e crítico do capitalismo, seu legado é insuperável e inseriu seriedade ao estudo das ciências sociais. Refiro-me a seu instrumental de análise, que é utilizado por qualquer estudioso sério. A teoria da mais-valia, da exploração capitalista e da acumulação do capital e do lucro fazem parte intrínseca do pensamento de Marx. Assim: “a dinâmica do capital privado conduz, inevitavelmente, à acumulação da riqueza e do poder, em poucas mãos” e seu “princípio da acumulação infinita” (1867). Para quem quer entender o funcionamento do sistema capitalista, é imprescindível ler e ter razoável compreensão do marxismo científico, até como instrumental de análise, repito. Não tenho dúvidas. O livro do economista francês, Thomas Piketty, “O Capital no século XXI, lançado, em 2013, é um exemplo. Piketty não é marxista, mas seu estudo sobre renda, lucro, acumulação da renda e desigualdade tiveram como fonte o instrumental de análise do pensamento de Marx. As constantes citações fizeram-se necessárias para a compreensão do sistema capitalista e de sua lógica e, para que possa subsistir, depende da acumulação do capital, de sua natureza predatória, de sua implícita dinâmica e eternização.

O capitalismo reinventa-se, como é o caso da globalização e da recente financeirização da economia, caminhos encontrados, para que não ocorra o apocalipse de todo o sistema.

O capitalismo não é todo anárquico, como dizem, tem sua lógica. A lógica é a da acumulação da riqueza e do consequente poder politico nas mãos dos mais ricos ou de seus representantes. Marx renegou o pensamento de Thomas Malthus, sob o argumento de que não explicava o fenômeno da pobreza, da miséria e da injustiça social. As estatísticas revelam as entranhas do capitalismo, matriz dos desequilíbrios, da Fome, da miséria e da violência. Hoje, de nove pessoas, no Brasil, uma não tem o que comer; enquanto,1% dos mais abastados recebem R$ 27.744,00 por mês, já os 50% mais pobres ganham em média R$ 850,00 ou 33,8 vezes a menos; os 10% mais ricos se apropriam de 43,1; 80% dos mais pobres 41,2% da Renda Nacional (fonte: IBGE/2019). Em 2019, cerca de 5 milhões de brasileiros sobreviviam com R$ 10,00 ou, R$ 300,00 por mês e foram empurrados para extrema pobreza. Outros indicadores, como o de Gini, também, mostram a piora na distribuição da renda, o que não é coincidência, a partir de 2016.

Por último outro escândalo: a participação dos 10% mais pobres participam dos minguados 0,8% da Renda Nacional. Apesar da crise sanitária, o número de bilionários, no Brasil, aumentou, era de 45, em 2019, em 2020, pulou para 50. O patrimônio desses bilionários brasileiros, entre o ano de 2019 a julho de 2020, cresceu U$ 34 bilhões. Vê-se que a desigualdade bate record, ano após ano, entre nós brasileiros. Quando saímos dos indicadores de crescimento econômico, o PIB, por suas deficiências e analisamos o IDH, que foi criado, em 1990, revela o Brasil sendo o 7° país, estruturalmente, mais desigual do mundo. Essa vergonhosa posição é histórica, sendo um dos países mais desiguais do mundo. Assim é que, 13,5 milhões vivem com R$ 145,00 por mês, 6,5 milhões são de mulheres, 10,5 milhões são pretos e pardos. O IDH-Índice de Desenvolvimento Humano (criado, em 1990), em 2019, o Brasil figurava no 79° no ranking mundial, próximo dos países africanos. O IDH revela o grau de desenvolvimento, que mostra a participação da população na educação, moradia, saúde, saneamento básico etc.

Para finalizar, lembro de que o Brasil é um dos maiores produtores de grãos e proteína do mundo, o agronegócio, sustentado por subsídios do governo e pela destruição de nossas florestas, exporta milhões de toneladas dessa produção, enquanto a fome bate nas portas de mais 15 milhões de brasileiros, mas o número de bilionários cresce exponencialmente. Lembro: o Brasil desperdiça ou joga no luxo 26,3 milhões de toneladas de alimentos, por ano. Esse texto, por seu conteúdo, sugeriu-me trazer um frase de Confúcio, lida por mim, há 10 anos: “O sol e a lua brilham sobre todos, sem parcialidades”.


JOSÉ MACEDO – Advogado, economista, jornalista e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.