Por José Carlos de Assis –
Um grupo de caminhoneiros de várias partes do Brasil, movido pela boa fé e pela ingenuidade, se deixou levar pelas promessas eleitorais de Jair Bolsonaro e acabou se convertendo num de seus suportes políticos mais relevantes, embora não tendo qualquer contrapartida a seu favor. A política dos derivados de petróleo, de longe a mais importante para nossa categoria, passou a ser determinada, como no governo anterior, pelas multinacionais do petróleo, só cedendo de forma circunstancial com a queda do valor do óleo, sem um horizonte de estabilidade.
Entretanto, não é a gasolina e o diesel os derivados com maior expressão na bolsa do povo, embora pesem muitíssimo. O gás é o calvário para milhões de donas de casa. Seu preço aumentou absurdamente nos últimos anos, levando, em muitos casos, a sua substituição pelo carvão e madeira. Tudo isso afeta a renda dos caminhoneiros, mas o que afeta os caminhoneiros, inclusive a perda de carga, está longe de ser tudo o que afeta o Brasil. Um levantamento sumário mostra o que tem sido feito ao país por Bolsonaro e Paulo Guedes.
O balanço do primeiro ano do governo, no plano normativo e executivo, é deprimente, em todos os planos. Seu fracasso só não é reconhecido por cegos e embriagados por ideologia. Fiz um levantamento sumário das diferentes áreas, e me espantou o estrago constatado. A não percepção desse estrago deve-se fundamentalmente a um fator midiático, que mistura a incompetência de parte da mídia na apuração com as intenções manipuladoras de outra parte. O resultado é a naturalização das ações de Bolsonaro, dando-lhe aparência normal. Eis os fatos, por áreas:
Políticos
1 . Interferência na Polícia Federal do Rio para tentar salvar o filho de denúncia de corrupção.
2. Suspensão de filmes, reintroduzindo a censura nas artes no Brasil.
3. Desrespeito a lista tríplice em nomeações no alto escalão da República.
4. Indiferença à devastação do meio ambiente, ao óleo nas praias e à destruição da Amazônia.
5. Estímulo à grilagem através de queimadas.
6. Reação compulsiva a questionamentos da imprensa, violando os compromissos oficiais de transparência.
Econômicos
1.Indicadores fiscais negativos
2. Proposta de queima de empresas estratégicas, como Petrobrás e Eletrobrás, além de 15 outras listadas para privatização.
3. Desnacionalização e desindustrialização em larga escala, destruindo empregos e renda do trabalhador do mercado formal.
4. Fuga de capitais estrangeiros
5. Queima de reservas internacionais, comprometendo o futuro do país
6. Crescimento pífio do PIB e retração do emprego e renda.
Também no plano social não existe uma única ação positiva do governo Bolsonaro, sendo que a principal iniciativa na área, a chamada reforma da Previdência, representou uma tremenda medida regressiva não só para a categoria dos caminhoneiros, mas para quase toda a população brasileira. Diante de tudo isso é espantoso que um grupo deles, que começou a diminuir, ainda apoie o governo Bolsonaro, mesmo quando todos os fatos objetivos apontem pela verdadeira tração que ele cometeu com a classe.
O balanço de um ano continuou no ano atual com novas agressões ao interesse público e aos trabalhadores. A estrutura sindical acabou de ser liquidada pelas mãos do Governo. A carteira verde amarela, uma ameaça que paira sobre os trabalhadores formais com a desculpa de promover empregos, foi rejeitada num primeiro momento pela Câmara dos Deputados mas permanece como uma espada de dâmocles sobre o pescoço dos trabalhadores, na forma de uma prometida medida provisória. A proteção a grileiros na Amazônia continua, seja mediante o estímulo a queimadas (com morte de índios) seja evitando o trabalho do Ibama.
O que me espanta, porém, não é a opinião de gente simples como caminhoneiros sobre o governo Bolsonaro. Espantoso mesmo foram fatos relatados por um amigo meu, com relações no meio militar, segundo o qual, na opinião desses militares, é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, quem está atrapalhando Bolsonaro. A simples verificação da lista acima basta para concluir que Bolsonaro é uma espécie de besta solta, sem travas, fazendo absolutamente tudo o que quer, exceto pequenas resistências insignificantes na Câmara e no Supremo.
O único fato que justifica essa percepção dos generais segundo a qual é Maia quem dificulta o governo Bolsonaro é a formação rigorosamente profissional do Exército nos anos recentes. Os generais nada sabem de política. Quando chegam ao governo, na condição de reservistas, são rigorosamente incompetentes nas áreas civis. Isso nos deixa numa posição terrível. Diante do que é Bolsonaro, seria desejável um golpe militar progressista, que fizesse uma intervenção cirúrgica no governo e devolvesse logo o poder aos civis. Isso funcionaria como uma prevenção democrática à reedição do AI-5 que Bolsonaro está preparando. Para que isso aconteça os militares teriam que ser, ao menos por um momento, menos profissionais e mais políticos.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964. Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro. Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.
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