Redação

Ao criar o juiz de garantias, a nova lei penal apelidada pelo governo de “pacote anticrime” lançou uma granada com endereço certo: caberá a esse novo magistrado fiscalizar o cumprimento de regras que proíbem negociações entre autoridades e imprensa para explora a imagem de presos.

Segundo o artigo 3º-F, “o juiz das garantias deverá assegurar o cumprimento das regras para o tratamento dos presos, impedindo o acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos da imprensa para explorar a imagem da pessoa submetida à prisão, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal”. A regulamentação desse dispositivo deverá ser feita em até seis meses pelas autoridades competentes, segundo a lei.

A regulamentação deve tratar sobre “o modo pelo qual as informações sobre a realização da prisão e a identidade do preso serão, de modo padronizado e respeitada a programação normativa aludida no caput deste artigo, transmitidas à imprensa, assegurados a efetividade da persecução penal, o direito à informação e a dignidade da pessoa submetida à prisão”.

Tem-se, então, como explica o criminalista Fernando Fernandes, de duas questões fundamentais. “A primeira é a tutela do juiz de garantias quanto à preservação da imagem e da dignidade da pessoa submetida a prisão. A segunda, as diversas formas regulamentação da comunicação à imprensa que deverá vir de órgãos diversos como CNMP, CNJ, Ministério da Justiça e das secretarias de segurança dos estados. A regulamentação não retira a responsabilidade do juiz”, afirma.

Para o constitucionalista Lenio Streck, advogado e colunista da ConJur, a medida é uma “vacina contra a espetacularização”. “Esse dispositivo vem em resposta aos abusos ocorridos, conforme denúncias de que veículos de comunicação tinham combinação com autoridades. Por que alguns veículos chegavam junto com a polícia no cumprimento de mandados? O juiz de garantias, que não é o mesmo que conduzirá o processo depois, terá essa responsabilidade de controlar isso tudo. Preso de qualquer tipo não poderá ter sua imagem exibida de modo a vilipendiar a sua imagem ou honra pessoal. Será um turning point no modo de cobertura que a imprensa — especialmente a televisiva — faz das prisões e dos presos. Os programas tipo mundo-cão vão ter que se readequar”.

O criminalista Diogo Malan, que também é professor da UFRJ e da UERJ, lembra que a Lei de Execução Penal, em seu artigo 41, VIII,  assegura ao condenado “proteção contra qualquer forma de sensacionalismo”. “Assim, com muito mais razão o acusado ainda não condenado, que deve ser presumido inocente e assim tratado por quaisquer autoridades públicas, deve ser igualmente protegido da exploração sensacionalista da sua imagem.”

Conforme explica o professor de Processuo Penal da USP Gustavo Badaró, a lei veio para garantir que a pessoa presa não perca seus outros direitos além da liberdade. “Não é razoável que, se o direito à imagem fica intacto, uma pessoa presa possa ter a sua imagem exibida em veículos de comunicação contra a sua vontade, ainda mais quando essa exibição normalmente se dá em uma situação pejorativa ou degradante, com ela atrás das grades ou em uma foto de identificação criminal.”

“Portanto, o que a lei estabelece é um mecanismo de controle para que esse direito seja efetivado. Deverão ser baixadas normas administrativas estabelecendo essas condições. É claro que, entre essas normas, muito provavelmente vai estar a exigência do consenso da pessoa presa. Se algum agente público ou magistrado permitir que isso seja exposto, por algum acordo junto a jornalistas, isso deverá ser sancionado. Em princípio, a lei está prevendo uma sanção para os agentes públicos, e não para os jornalistas”, ressalta.

O criminalista Luis Henrique Machado também vê a previsão com bons olhos, porque ela “coíbe a exploração e o achincalhamento da imagem do indivíduo preso por meio da imprensa”. “De fato, existem casos de autoridades que franqueiam o acesso da imprensa para fazer reportagens com os presos expondo-os ao ridículo perante à sociedade”, comenta.

Fonte: ConJur