Por Kakay

“Terra da fraternidade Grândola, Vila Morena Em cada rosto igualdade O povo é quem mais ordena.” – José Afonso.

Senti um certo aperto no peito quando vi os milhares de portugueses saindo às ruas para comemorar a liberdade e o fim do fascismo em 25 de abril em Portugal. Logo me associei aos gritos de pura alegria e felicidade. A força das vozes cantando “Grândola, Vila Morena”, numa afirmação de que o horror e a barbárie não voltarão, sensibilizou-me. Senti no ar uma emoção coletiva e quase uma certeza de que Portugal sepultou o Salazarismo. Mesmo com a ultradireita crescendo no mundo inteiro, e os autoritários do partido “Chega” tomando corpo, a impressão que fica é a de que a sociedade portuguesa não aceitará o fascismo de volta.

E não foi só a multidão, descendo a Avenida da Liberdade com seus cravos vermelhos, que deu o tom da festa e da resistência. Em todos os lugares, bares, casas de fado, ladeiras e praças, os portugueses se manifestavam. Parecia um grito contido no peito por 49 anos, desde aquele poderoso 25 de abril de 1973. Mas a gente sabe que não é um grito contido, pois ele se renova todo ano na mesma data. Mais, ele se espalha e consolida.

Na linda e emocionante entrega do Prêmio Camões ao nosso Chico Buarque, no Palácio de Queluz, que tanto nos remete a um Portugal que nos colonizou, já havíamos nos embriagado com as falas do presidente português Marcelo e de Lula. Um discurso de rara sintonia que demonstra o momento que a posse do Lula sinalizou para o mundo.

Chico Buarque recebe o Prêmio Camões de Lula e Marcelo Rebelo de Sousa. (Divulgação)

Com um atraso de 4 anos, devido ao obscurantismo do fascista Bolsonaro, que se negou a entregar o prêmio ao maior compositor popular brasileiro, a cerimônia foi cheia de simbolismo. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa iniciou sua densa manifestação fazendo uma brincadeira com a música do homenageado: “Meu caro amigo, me perdoe, por favor, essa demora”.

O Brasil, que estava reduzido à condição de pária internacional com o fracasso humilhante do governo Bolsonaro, volta a ocupar seu espaço. Ainda hoje, jornais europeus dão destaque à fala do ex-presidente espanhol Zapatero na qual ele reforça a necessidade de que a voz de Lula, em nome da paz mundial, deve ser ouvida. E Lula tem sido recebido, mundo a fora, como um estadista que é.

O discurso do presidente no Parlamento português foi de encher de orgulho a todos nós. A receptividade nos foros internacionais demonstra que o brasileiro voltará a poder ter a alegria de ser o povo que sempre foi recebido com respeito e carinho. Num sistema presidencialista, a força do presidente da República é muito significativa. Ter um fascista, inculto e desqualificado como presidente por 4 anos jogou o país num precipício. Precisamos voltar a ter espaço no mundo e isso começa por cada um de nós, brasileiros, ter uma postura que dignifique o respeito almejado.

Ao ver os portugueses nas ruas cantando a plenos pulmões, com indizível emoção e orgulho, a liberdade no 25 de abril, atentei-me de que, no Brasil, não temos uma data nacional. O 7 de Setembro virou um feriado e uma parada militar. Não temos nenhum sentimento ao sair para a rua nesse dia. Ninguém se orgulha e canta uma música que nos sensibilize e que passe um recado de resistência, liberdade e igualdade.

Pode parecer estranho, mas senti uma ponta de inveja ao ver tantos portugueses, independentemente de idade, entoando e gritando pela liberdade do seu país. Percebi ali, emocionado, no meio deles, o sentido da palavra pátria na sua acepção pura. Já havia me emocionado ao cantar o Hino Nacional com Lula no Parlamento; mas, na rua, no meio do povo, é onde se pode entender o real significado do que é ser parte de um país. Como cantamos na Avenida, no carnaval de 1989 da Imperatriz Leopoldinense:

“Liberdade, liberdade!
Abra as asas sobre nós
E que a voz da igualdade
Seja sempre a nossa voz.”

É preciso resgatar o sentimento de pertencimento ao Brasil, ou criar um. O fascismo bolsonarista nos fez ter medo e vergonha até das nossas cores verde e amarelo. Escrevi, desde sempre, que precisamos reassumir nossas cores e nossos símbolos e nos apoderar do nosso país. O Brasil tomou posse de si mesmo por duas vezes neste ano. Uma, quando Lula subiu a rampa com brasileiros que eram invisíveis sociais, em 1º de janeiro; outra, no dia 9 de janeiro, quando desceu a rampa do Palácio do Planalto junto com as maiores autoridades do país e caminhou pela praça até o Supremo Tribunal Federal para dizer não ao 8 de Janeiro, o dia da infâmia.

Não é cafona ter certa alegria, espontânea e incontida, de ser brasileiro. Se não temos uma data nacional, vamos, ao menos, voltar a sermos alegres e leves. O destino do homem é ser livre. E, para tanto, devemos cortar as amarras do fascismo e do obscurantismo. E cantar, como os portugueses, “em cada rosto igualdade, o povo é quem mais ordena”.

Como bradou o grande Ulysses Guimarães, em 5 de outubro de 1988 –que poderia ser a nossa data nacional–, ao promulgar a Constituição Cidadã, “Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”.

***


AGENDA

https://www.oabrj.org.br/eventos/juizes-perseguidos-estado-direito

ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 61 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


PATROCÍNIO


Tribuna recomenda!