Por Kakay –
Apesar de ser julgado parcial pelo STF, Moro segue sem retaliações.
“Respeitoso, contente de ser útil,
Político, prudente e meticuloso
Cheio de máximas e aforismos, mas algo obtuso;
Às vezes, de fato, quase ridículo Quase o Idiota, às vezes.”
(T.S. Eliot, A canção de amor de J. Alfred Prufrock).
Senhor procurador-geral da República,
No Estado democrático de direito, o cidadão tem que confiar nas instituições. Todos devem saber, por exemplo, que o Judiciário cumpre o seu papel constitucional. Em uma democracia consolidada, sequer deve ser necessário qualquer cobrança por parte da sociedade, porque os Poderes naturalmente assumem suas responsabilidades. Tão normal que a vida segue com as pessoas cuidando do dia a dia sem se dar conta de que tudo funciona. Não é necessário questionar o óbvio, pois é inimaginável cobrar com frequência o simples cumprimento da Constituição.
Ora, a Constituição é para ser respeitada e ponto. Nem é desejável que os ministros da Suprema Corte estejam todos os dias na imprensa dando os rumos das políticas a serem implementadas, pois a natural obediência das regras faz tudo fluir espontaneamente. As pessoas, as empresas e a vida, enfim, devem seguir sem grandes sobressaltos, salvo os inevitáveis.
É natural haver algumas decisões que traduzam uma definição, de cada competência específica, e que deem conforto ao cidadão. Cada Poder sabe o que lhe compete fazer. E numa democracia madura, cada instituição simplesmente faz o que lhe compete fazer. Sem maiores alardes e, óbvio, sem hipótese de omissão.
Dentre as tantas de relevância na responsabilidade de Vossa Excelência, ou do seu grupo, diretamente subordinado, uma questão significativa se apresenta: a posição do ex-juiz e sempre candidato Sergio Moro. Cabe lembrar a imortal Cecília Meireles, no poema Das Sentenças:
“Já vem o peso do mundo
com suas fortes sentenças.
Sobre a mentira e a verdade
desabam as mesmas penas.
Apodrecem nas masmorras juntas,
a culpa e a inocência.”…
A situação do ex-magistrado revela-se de uma maneira relativamente simples: um juiz que foi considerado parcial pelo Supremo Tribunal e que teve suas decisões anuladas por incompetência. Simples assim. Essa foi a definição do STF sobre um juiz de 1ª instância. O Judiciário, que é um Poder inerte, só age sob provocação e fez o que tinha que ser feito.
A Suprema Corte do país julgou de maneira definitiva o ex-juiz Sergio Moro e considerou que ele corrompeu o sistema de justiça. Talvez o leigo não tenha a dimensão do que foi julgado, mas um magistrado federal foi considerado parcial! Foi um juiz que julgou causas que mudaram o destino do país e que instrumentalizou o Poder Judiciário em benefício de um projeto pessoal de poder! E, agora, já julgado e desnudado, qual consequência ele deve sofrer? O Supremo fez o que lhe competia fazer. E agora?
Já seria avassalador o fato desse ex-juiz ter tomado decisões que tiveram importância fundamental no dia a dia do país, mas, infelizmente, a situação é ainda mais grave. Com lastro nos abusos cometidos e com o apoio de parte da grande mídia, esse ex-juiz se apresenta como candidato à Presidência da República. Depois de criminalizar a política, ele se arvora a buscar na representação popular, que ele tanto afrontou, outra maneira de exercício do poder. Logo ele, representante do que existe de mais podre no país.
Socorro-me no velho Pessoa, no Livro do Desassossego:
“Ler é sonhar pelas mãos de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo.”
Mas tem mais, muito mais! O ex-juiz resolveu assumir o papel que sempre foi seu: o político partidário! Agora, claro, sem a toga. Essa é a situação que deve ser enfrentada. Tudo que ele fez não tem consequências? O julgamento histórico do Supremo Tribunal esgotou-se na declaração de parcialidade e incompetência? O fato de ter havido corrupção do sistema de justiça foi um detalhe? O que tem a dizer a respeito o senhor procurador-geral da República, embora, é claro, o ex-juiz tenha perdido o foro, é o que a sociedade se pergunta, perplexa.
É um cenário que gera certo constrangimento. Um ex-juiz despudorado, que sempre instrumentalizou o Judiciário e mercadejou com a toga, resolve assumir o papel que escamoteava e se candidata. E aí nós nos deparamos com uma situação inusitada: como impedir a candidatura de alguém que definitivamente foi condenado pelo STF como uma pessoa que corrompeu o sistema de justiça?
O que me faz questionar Vossa Excelência, respeitosamente, é algo de extrema simplicidade: todos os dias são levantadas as mais diversas situações criminosas desse ex-juiz, e o que faz a Procuradoria? É assim que funciona? Um cidadão julgado pela Suprema Corte de maneira definitiva como corruptor do sistema de justiça vem se posicionar como candidato e nada é questionado? Eu sou contra a lei da ficha limpa, que visa tutelar a vontade popular, mas o questionamento é outro: o ex-juiz não será sequer investigado? Questionado? Julgado?
Vamos a uma situação objetiva e inquestionável. São fatos que o ex-juiz não nega.
Ainda quando era magistrado da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro determinou a prisão do então candidato a presidente da República que estava em 1º lugar nas pesquisas. Esse é um fato incontestável.
E isso foi determinante para a eleição do atual presidente da República. O então juiz Moro foi o principal eleitor do presidente que hoje leva o país para o caos. Teve responsabilidade e participação direta na eleição. E, segundo declaração do próprio Sergio Moro, ele, ainda com a toga nos ombros, ainda juiz federal, aceitou conversar sobre ser ministro da Justiça do governo que ele elegeu.
É constrangedor. Mas foi além: aceitou ser ministro da Justiça do governo que seria empossado e que só foi eleito após uma decisão dele, juiz, tirando do pleito o candidato que estava em 1º lugar nas pesquisas! É espantoso. A contrapartida óbvia está a provocar a indignação em qualquer estudante de direito. Nada vai ser investigado? Nenhuma consequência advirá desses fatos incontroversos?
Poder-se-ia adotar como método a jurisprudência do modus operandi da República de Curitiba, coordenada exatamente pelo ex-juiz em questão. À época em que Moro era o efetivo chefe da força-tarefa de Curitiba, quando coordenava um grupo de procuradores da República, por muito menos eram expedidos mandados de prisão e de busca e apreensão, sempre com estardalhaço e espetacularização. Na simples suspeita de qualquer favorecimento, o rigor da pena se fazia sentir.
Claro que era uma caneta cuja pena tinha lado, protegia e perseguia. Fazia a triagem política que interessava. Mas usava como lema um refrão que deve ser trazido de novo à baila: ninguém está acima da lei! Perfeito. A sociedade aguarda ansiosa.
Com a lembrança do grande Augusto dos Anjos:
“Toma um fósforo
Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.”
ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 61 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros. Publicado inicialmente em o Poder360.
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