Por Lincoln Penna –
Escrevo às vésperas do Dia Internacional da Mulher, oito de março. E o faço não apenas em razão da data, hoje mais do que nunca celebrada em face das demandas reprimidas que começam a ser incorporadas aos direitos humanos e políticos, mas porque o que tenho a dizer pode traduzir a importância dessa data, a partir de um caso de mulher mãe, ao qual preciso testemunhar.
Recebi recentemente uma foto em homenagem à mulher pelo whatsapp no qual é dito que a mulher é a primeira morada do ser humano, em alusão, é claro, ao fato de ter a faculdade de dar a luz a toda à humanidade. E essa mensagem lembrou-me da minha mãe Yedda, cuja “morada” eu não largava mesmo crescido, a ficar a ela colado em seu corpo como se pretendesse não sair mais, feto que era e que não queria deixar de ser.
Yedda era uma mulher que sempre verberava sua indignação ao se deparar com injustiças. Diagnosticada como a apresentar comportamento bipolar, maníaco-depressivo como era dito à época, essas alternâncias não ofuscavam a sua permanente solidariedade com os mais humildes. A eles prestava o apoio que podia e com eles conviveria não importando as censuras de uma época hipócrita e absolutamente indiferente ao sofrimento alheio.
Com ela aprendi a me sensibilizar com os pobres. Mais tarde, ao avançar os meus estudos e leituras de cunho social na vasta e diversificada literatura sobre a temática das desigualdades sociais pude aquilatar o quanto Yedda foi importante para que até hoje não abandone os miseráveis de um sistema opressor.
Ela teve uma vida marcada pelo tratamento atroz a quem tinha o seu diagnóstico, e esses tratamentos eram comuns naqueles tempos, mais do que se pensa hoje em dia. Separada de meu pai eu a acompanhava nos locais em que eram ministradas as técnicas de então. E a cada instante em que se renovavam essas aplicações tremia como se me fossem aplicadas. Até em casa, a partir de um determinado momento, ao seu lado permanecia resignado e ao mesmo tempo revoltado com a barbaridade que se cometia com o ser humano que amava profundamente.
O sofrimento do outro é algo indescritível. E isto, para mim ficou eternamente marcado, desde aquelas inúmeras seções tornadas regulares.
Recordo que na Ilha das Flores quando estive preso o pior não era a tortura sofrida, mas os gritos de quem sofria sem que se pudesse acudir. O grito do outro ser, que parecia dizer: olha como é terrível que um ser humano faça o que fazem conosco. E é na compaixão pela vida que o ser humano adquire a dimensão da fraternidade, que para ser verdadeira tem de ser universal. Sem barreiras de todo e qualquer tipo.
Yedda, minha mãe, foi uma guerreira da vida que a ela reservou momentos cruéis, que jamais tiraram o seu bom humor, a graça de conviver com quem quer que fosse sem as etiquetas espúrias de uma sociedade voltada para os seus bem nascidos entes consangüíneos.
Ah, se ela viva estivesse a ter de conviver com esses dias tão nebulosos e trágicos! Certamente estaria ao lado de quem se insurge contra a miséria dessa política de desmonte da cidadania. E assim se insurgiria porque esses são fazedores de injustiças sociais das mais perversas e criminosas.
Nesse ano de 2021, no Dia Internacional da Mulher eu quero me lembrar dessa mulher que me fez cidadão, que me fez aprender que a dor nem sempre é destruidora, pois é possível superá-la como ela o fez com a coragem de quem acredita na vida, em seus prazeres e desafios, mesmo nem sempre tendo razão para tal.
Para Yedda que me fez amar o próximo como a mim mesmo, minhas eternas saudades.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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