Redação

Depois de mais de 45 anos no comando da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Antonio Oliveira Santos descobriu um jeito de derrotar o adversário que queria seu lugar na entidade — o então presidente da Fecomércio-RJ, Orlando Diniz. Santos conseguiu incorporar à sua tropa o grupo de Curitiba autoapelidado de “lava jato”.

A guerra jurídica entre os dois caciques arrastou-se por oito anos e mobilizou mais de cem escritórios de advocacia. Com orçamento anual da ordem de R$ 1 bilhão, a Federação até que demorou a cair na luta com a Confederação, cujo orçamento passa da casa dos R$ 10 bilhões. Mas foi quando a CNC e suas associadas entraram na campanha pelas “10 Medidas contra a Corrupção” do MPF que o jogo mudou de fato.

A rede da CNC passou a patrocinar as palestras de Sergio Moro e procuradores da República pelo país. Sem licitação, claro, já que as entidades são privadas. Além da cabeça de Diniz, a Confederação tinha outro “tesouro” cobiçado pelo time da “lava jato” a ofertar: escritórios de advocacia odiados por defenderem réus cujas condenações eram o combustível do grupo.

Delação manipulada
Diniz foi parar na cadeia duas vezes por desvio de verbas entre 2007 e 2011. Mas os procuradores queriam mesmo eram os advogados. Orlando Diniz tentou por mais de dois anos emplacar sua delação. Só conseguiu, segundo publicou a revista Época, depois que concordou em acusar os advogados. Em troca da delação, Diniz ganhou a liberdade e o direito de ficar com cerca de US$ 250 mil depositados no exterior, de acordo com o MPF do Rio.

No primeiro momento, Diniz seria usado para atacar ministros do STJ e do TCU, sob a alegação de que familiares deles teriam advogado para a Federação. O truque não funcionou, porque nenhum dos ministros citados participou de qualquer julgamento relacionado ao caso. No conjunto, toda a delação foi considerada imprestável pela Procuradoria-Geral da República.

A cena seguinte é quase uma paródia do grupo ‘Porta dos Fundos’. Um vídeo feito pelo MPF mostra a procuradora Renata Baptista e colegas refazendo a delação de Diniz e colocando na boca do delator o que ele não disse, como boneco de ventríloquo. E a delação imprestável em Brasília foi reconstruída no Rio de Janeiro.

Lavagem de palestras
O caso é recheado dessas características. A competência para a matéria é da justiça estadual e, segundo jurisprudência pacífica do STJ e STF, não são consideradas instituições públicas, nem a Fecomércio nem as entidades do sistema S por ela administradas por força de lei — ao contrário do que dizem os procuradores que, legitimamente, usaram a estrutura do sistema e deram palestras cobradas, como no Rio Grande do Sul.

Em uma das peças, o MPF diz que denunciou 26 pessoas “por pagamentos sem a contrapartida do serviço contratado, a pretexto de honorários advocatícios” por desvio de dinheiro público. Na realidade, não se tratava de dinheiro público. No caso do Teixeira, Zanin Martins, a próprio Receita Federal atestou “vasta” comprovação dos serviços — mas há escritórios que nem foram contratados, nem receberam qualquer quantia da Fecomércio. O alvo principal do MPF sempre foi o escritório que faz a defesa do ex-presidente Lula.

Além de grampos clandestinos e acusações estapafúrdias como a do Rio de Janeiro, procuradores adotaram a prática se fazer gestões junto a bancos para encerrar contas correntes de escritórios para enfraquecer a defesa. Com o apoio do juiz Marcelo Bretas — que também se subordinou a Curitiba — os procuradores conseguiram bloquear as contas bancárias e o patrimônio de cerca de cinquenta escritórios e advogados.

Patrocínio infiel
Mais que isso: pegaram nos escritórios contratos e documentos de clientes sem qualquer relação com os fatos investigados. Tem-se notícia de clientes abordados, o que, como se sabe é quase uma sentença de morte para qualquer prestador de serviços.

Bretas tentou bloquear e bloqueou quantias exorbitantes. A matemática que ele aplicou ao caso foi tão boa quanto o Direito. Em investigação de supostos desvios de R$ 151 milhões, os bloqueios determinados pelo juiz ultrapassaram R$ 1 bilhão, existindo ou não o dinheiro; tendo sido feitos os pagamentos ou não. Ele justificou os valores aplicando a cobrança de “danos morais coletivos” ao montante que teria sido recebido, o que não poderia ter sido feito em ação penal, segundo entendimento da 2ª Turma do Supremo.

Por fim, além de praticar abuso de autoridade, por ter invadido escritórios e residências com mandados genéricos, a chamada “lava jato” também pode ter praticado advocacia administrativa — já que patrocinou os interesses de uma das partes de um litígio privado, a Confederação Nacional do Comércio.


Fonte: ConJur