Redação

52 anos de serviço público.

O decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, iniciou nesta segunda-feira (3/8) seu último trimestre na corte. Quando se aposentar, em 31 de outubro, terá sido o ministro que mais tempo permaneceu no STF durante a República brasileira: 31 anos, 2 meses e 14 dias, apenas 16 dias a menos do que José Paulo Figueirôa Nabuco de Araújo, que atuou de 1832 a 1863 no Supremo Tribunal de Justiça, na época da monarquia.

Indicado pelo presidente José Sarney (1985-1990), Celso de Mello tomou posse como ministro do Supremo em 17 de agosto de 1989, quando tinha 43 anos. Antes disso, tinha sido integrante do Ministério Público paulista por 21 anos. Com o fim de sua carreira no STF, terá somado 52 anos de serviço público.

Até 2018, Herminio do Espirito Santo havia sido o ministro da República que mais tempo havia permanecido no Supremo Tribunal Federal: 29 anos, 11 meses e 24 dias. Indicado por Floriano Peixoto em 1894, foi magistrado da corte até sua morte, em 1924, aos 83 anos — na época, o cargo era vitalício. Atrás dele vinha André Cavalcanti, nomeado por Prudente de Moraes em 1897. Quando morreu em 1927, aos 93 anos, havia integrando o STF por 29 anos e 8 meses.

Desde então, Espirito Santo e Cavalcanti foram superados por Celso de Mello e Marco Aurélio. O vice-decano do Supremo deverá se aposentar em 12 de julho de 2021, quando completará 75 anos — limite imposto pela Emenda Constitucional 88/2015 (antes a aposentadoria compulsória ocorria aos 70 anos). Terá, então, sido ministro do STF por 31 anos e um mês.

Defesa da democracia
Nos últimos tempos, Celso de Mello, como decano do STF, tem assumido o papel de porta-voz da corte contra declarações autoritárias, críticas à sua atuação ou tentativas de intimidação.

O presidente Jair Bolsonaro e seus aliados vêm constantemente fazendo ataques ao Supremo. Em maio, depois que a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra empresários e blogueiros bolsonaristas, Bolsonaro afirmou que “ordens absurdas não se cumprem”.

Em outra ocasião, Celso enviou à Procuradoria-Geral da República um pedido de apreensão do celular de Bolsonaro. Mesmo após a PGR se posicionar contra a solicitação, o presidente disse que não entregaria o dispositivo caso houvesse ordem judicial para tal.

Em junho, Celso afirmou ser inaceitável que resquícios autoritários continuem existindo no Brasil. “É inconcebível e surpreendente que ainda subsista, na intimidade do aparelho de Estado, um inaceitável resíduo autoritário que insiste, de modo atrevido, em dizer que poderá desrespeitar o cumprimento de ordens judiciais, independentemente de valer-se, como cabe a qualquer cidadão, do sistema recursal previsto pela legislação processual.”

O decano também defendeu que “sem juízes independentes, jamais haverá cidadãos livres” e, citando o ex-ministro Aliomar Baleeiro, alertou para o fato de que, enquanto houver pessoas dispostas “a submeter-se ao arbítrio, sempre haverá vocação de ditadores”.

Ao arquivar petição contra o general Augusto Heleno, ministro do gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, o decano disse ser “surpreendente” e “inaceitável” a declaração do militar de que o STF não poderia ordenar a apreensão do celular de Bolsonaro.

Manifestações como essa, segundo Celso de Mello, especialmente em contexto de grave crise política, econômica e social, devem ser repelidas, pois são estranhas e lesivas à ordem constitucional. São, portanto, inaceitáveis, pois desrespeitam a Constituição e geram desequilíbrio entre os cidadãos da República.

“A nossa própria experiência histórica revela-nos — e também nos adverte — que insurgências de natureza pretoriana culminam por afetar e minimizar a legitimidade do poder civil e fragilizar as instituições democráticas, ao mesmo tempo em que desrespeitam a autoridade suprema da Constituição e das leis da República e agridem o regime das liberdades fundamentais, especialmente quando promovem a interdição do dissenso”, concluiu.

Adversário de Bolsonaro, o ex-presidente Lula também já foi alvo de críticas de Celso de Mello. Em março de 2016, o ministro rebateu a afirmação do petista — exposta em grampos divulgados pelo então juiz Sergio Moro — de que o país tem “uma Suprema Corte totalmente acovardada”. O pensamento, disse o decano do STF, é uma “reação torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes, que não conseguem disfarçar o temor do império da lei e de juízes livres e independentes”.

A República, afirmou Celso de Mello, “além de não admitir privilégios, repudia a outorga de favores especiais e rejeita a concessão de tratamentos diferenciados aos detentores do poder ou a quem quer que seja”. E o magistrado ainda deixou seu recado: “Ninguém está acima da autoridade das leis e da Constituição de nosso país, a significar que condutas criminosas perpetradas à sombra do Poder jamais serão toleradas, e os agentes que as houverem praticado”.

Combate ao autoritarismo
A luta de Celso de Mello contra o autoritarismo vem de longe. Tomou posse como promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo em 3 de novembro de 1970, aprovado em primeiro lugar em um concurso com 1.118 concorrentes. Corria o governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) e vicejava o Ato Institucional nº 5.

Em seu discurso de posse, o jovem promotor discorreu sobre seu papel e de seus colegas em uma sociedade em que não prevaleciam as liberdades fundamentais e sobre o direito de resistência às normas ilegítimas da ditadura militar. Celso começava, ali, a chamar a atenção de desafetos e admiradores.

Logo ele foi alocado na 4ª Promotoria de Osasco. E foi lá que enfrentou o temido secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, coronel Erasmo Dias, quando trabalhava junto à Vara da Corregedoria da Polícia e dos Presídios da cidade da grande São Paulo.

O fato de Celso nunca pedir prisões para averiguação, abrir sistemáticas sindicâncias para investigar abusos policiais e processá-los quando encontrava indícios de que haviam passado da linha provocou a ira do coronel. À época, o secretário disse à imprensa: “Há um promotor em Osasco, um tal Celso de Mello, agindo subversivamente, colocando a população contra a Polícia”.

Em uma época em que o Ministério Público era atrelado ao Executivo, o comportamento rebelde não o ajudou na carreira. Ele e seu grupo foram mantidos na geladeira, longe das promoções. Tanto que só conseguiu chegar a procurador de Justiça a duras penas, em 1989, pouco antes de ser nomeado ministro do Supremo. Isso não o impediu, contudo, de fazer correições em presídios e defender insistentemente o direito de presos à ampla defesa — o que faz até hoje, a cada dia com mais vigor.


Fonte: ConJur