Por Miranda Sá

“A única coisa que se espalha com mais rapidez do que uma pandemia é o mexerico” (Grey’s Anatomy)

Juro que eu não sabia que havia o verbo “Mexericar”… Pois é: está no dicionário como intransitivo e transitivo direto, com o gerúndio ‘mexericando’ e o particípio passado, “mexericado”… Significa bisbilhotar, intrigar, fuxicar e intuito de indispor. Mexerico é um regionalismo do Rio Grande do Sul (Mistura, Confusão), por isto há quem defenda ter etimologia guarani; seu principal sinônimo, “fofoca”, tem origem africana…

Li certa vez uma anedota histórica envolvendo Aristóteles. “O Filósofo ouvia pacientemente o tagarelar de um concidadão mexericando sobre a vida de algumas personalidades atenienses. O indivíduo silenciou de repente e perguntou se os comentários estavam distraindo as suas meditações. – “Não”, respondeu Aristóteles -, “pode continuar. Eu não o escuto…”

Esta sábia lição deve ser seguida em situações corriqueiras; mas não dá para aceitar mexericos que circulam nos andares de cima da nossa pobre República. É imperdoável vê-se o presidente Jair Bolsonaro batendo boca com um popular ou manter falatórios prejudiciais aos estudos de uma vacina contra a pestilenta covid-19.

A ambição pelo poder não pode estar acima dos interesses nacionais e populares. A missão de um governante não lhe permite enredar com seus críticos e muito menos dividir a cidadania entre o “nós” e “eles” como faziam os governos lulopetistas.

Agora, no momento político que o Brasil atravessa, vê-se o levantar da poeira de uma corrida eleitoral antecipada, sufocando a Nação com a cobiça egoísta do Presidente que foi contra a reeleição na campanha eleitoral e agora se dedica em tempo integral à própria…

É inegável, porém, que dispõe de um mecanismo propagandístico de fazer inveja…. Os cultuadores de sua personalidade, ao assistirem dissidências e críticas, de ex-seguidores e ex-ministros, carimbam todos de traidores. Conseguem encontrar no mapa da lógica a “Ilha Bolsonaro” da fidelidade cercada de traidores por todos os lados….

A tontice desta massa fanatizada compõe o coquetel do nepotismo desculpando os mexericos entre ministros, como provocações de Ricardo Salles, que chamou o general Ramos de “Maria Fofoca”, e agora apelidando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de “Nonho” personagem obeso da série “Chaves”… e segue o exemplo do Presidente que fofoca contra os governadores de São Paulo e do Maranhão….

Assim caminha a humanidade tupiniquim…. Vive-se uma situação que junta os embeiçados bolsonaristas e os obstinados lulopetistas, gerando o “bolsopetismo”, o abraço extremista que criou uma situação hilária, mas constrangedora: as demandas judiciais contra quem ousa corrigi-los.

Um amigo meu está sendo processado porque chamou num post o condenado Lula de corrupto…. Ao apresentar-lhe a minha solidariedade, ouvi dele uma decisão que levo à reflexão.

Ele decidiu não comparecer à audiência; e disse que seguia uma passagem histórica de Alcebíades, político ateniense que foi discípulo de Péricles, amigo de Sócrates e contemporâneo de Zenon de Eleia.

Reproduzo “de ouvido”: “Convocado pelos juízes para responder acusações de adversários, recusou-se a comparecer ao tribunal onde poderia sofrer o banimento.  Inquirido porque não enfrentar o processo e não confiar na Justiça, Alcebíades disse:

“Neste processo, que vem do alto poder, não confiarei sequer na minha mãe; como ela é muito míope, pode trocar a pedrinha branca por uma preta…”


MIRANDA SÁ – Jornalista, blogueiro e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã. Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.