Redação

Notório por frases como “não sai de fuzil na rua, troca por uma Bíblia. Se você sair, vamos te matar”, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel promete medidas enérgicas de combate ao coronavírus (Covid-19).

Uma das medidas propostas pelo chefe do executivo fluminense é a interdição das praias do estado para evitar aglomerações. “Neste caso, tratando-se de uma epidemia, não só o Corpo de Bombeiros, como a Defesa Civil, a Polícia Militar e a Guarda Municipal serão chamados e nós não permitiremos aglomeração na praia. O momento é de ficar em casa, para que a gente possa controlar essa epidemia. E reavaliaremos, daqui a 15 dias, se manteremos essas restrições mais graves”, disse Witzel.

ConJur ouviu constitucionalistas e especialistas em Direito Administrativo para saber se a medida do ex-juiz e atual governador tem respaldo legal.  Para maioria dos ouvidos, a intenção é, no mínimo polêmica.

Para o especialista em Direito Administrativo, Rubens Ferreira Jr, sócio da Advocacia Ubirajara Silveira, a medida não pode ser adotada. “É evidente que isso não pode ser feito. O que ele está fazendo é estabelecendo um Estado de Sítio sem a autorização constitucional. Se o governador resolver fazer isso cometerá, na melhor das hipóteses, improbidade administrativa. Ele não pode a pretexto de resguardar a saúde pública interditar a praia. Isso não pode ser feito sem autorização constitucional”, explica.

Para o constitucionalista Eduardo Mendonça, “o mais correto seria a edição de lei que sirva de base para essas medidas e determine os parâmetros, assim como eventuais compensações ou mitigações dos impactos econômicos”. O advogado também afirma que não acha banal que tenhamos atos administrativos determinado restrições drásticas a liberdades. “Alguns governadores estão invocando bases normativas genéricas. Foi o caso do Distrito Federal, em que o decreto é baseado em disposições genéricas sobre a competência do governador”, comenta.

O professor de Direito Administrativo na PUC-SP e sócio do Zockun & Fleury Advogados, Maurício Zockun, lembra que uma das funções do Direito é tutelar o interesse público e o interesse particular das pessoas. “Existe um princípio chamado supremacia do interesse público sobre o interesse privado. O estado se encontra na contingência de prover atendimento médico a quem for atingido por essa enfermidade. Dado o nível de propagação desse vírus não haverá leitos suficientes para atender a população atingida. Isso é um dado da realidade. Certamente o Estado tem que atuar para evitar isso. Diante disso, o Estado dispõe de meios jurídicos para restringir o direito de ir e vir, o direito de reunião e, eventualmente, pode restringir o direito de propriedade e lacrar estabelecimentos para evitar a propagação do vírus”, explica.

A especialista em Direito Público Camila Foltran aponta que inicialmente o governo deveria trabalhar para disseminar informação e conscientizar as pessoas. “As medidas de exceção são admitidas e recomendadas, desde que necessárias e eficientes. A completa interdição de espaços públicos abertos não parece atender os requisitos acima destacados, especialmente quando não coordenadas com as diferentes esferas de governo. Qualquer restrição de locomoção não alinhada entre governo federal, estados e município pode se tornar inócua, sendo apenas arbitrária”, afirma. Ela também lembra que “um ‘estado de exceção’ não representa um cheque em branco para livre utilização pelas autoridades públicas.

O mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra  André Portugal, por sua vez, afirma que cenário imposto pela Covid-19 é bastante desafiador ao direito administrativo.

Para Portugal, a medida só seria legitima se “especificasse, muito claramente, o período da interdição das praias, que deve guardar relação com os riscos apontados por evidências científicas, e as razões que a justificasse”, comenta.

Ele também afirma que dentro dessas especificidades, o uso da PM poderia ser legalmente aceito. “A PM tem também a atribuição de auxiliar a administração em seu exercício de poder de polícia, inclusive quando se trata de questão de caráter sanitário”, diz.

Por fim, o advogado e professor de Direito Constitucional Paulo Peixoto, afirma que “se a declaração do governador do Rio de Janeiro for interpretada no sentido de que os órgãos da segurança pública apenas recomendarão aos banhistas evitar aglomerações, cujo objetivo é diminuir os riscos de contágio pelo Covid-19, não se vislumbra qualquer ilegalidade”.

Contudo, ele lembra que “caso os órgãos de segurança pública adotem medidas ostensivas, impedindo totalmente o acesso às praias, que são bens de uso comum, a própria liberdade ambulatorial dos indivíduos poderá ser violada. Registra-se que a Constituição Federal dispõe que as praias são bens de propriedade da União e, segundo a lei federal que cuida do gerenciamento costeiro, restrições de acesso a determinados trechos da praia justificam-se apenas se considerados de interesse da segurança nacional ou se incluídos em áreas protegidas”, argumenta.


Fonte: ConJur