Por Luiz Carlos Prestes Filho

O diretor de cinema Marcelo Serra, sócio proprietário do empreendimento Casarosaeverde, Teresópolis/RJ, desenvolve a prática do TURISMO COM VIVÊNCIA. Proposta baseada em trocas de experiências voltadas para o meio ambiente e a arte. Nesta entrevista, exclusiva para o jornal Tribuna da Imprensa Livre, ele afirma que: “Todos estão interligados no mundo atual, todos são dependentes uns dos outros. A pandemia Covid 19 deixou isso mais e mais evidente.” Através da produção e beneficiamento do bambu, Marcelo Serra estruturou este seu projeto original.

Luiz Carlos Prestes Filho: O bambu já é a sua arte, a sua expressão?

Marcelo Serra: As sombras, luzes, sons, ruídos, trilhas diversas do bambu está na minha arte. O bambu só por sua existência na natureza já é uma divindade. Começa que ele vai da terra ao céu rapidamente, tem um canal de comunicação com o universo. Então, só de apreciá-lo, ver ele crescer me envolve. Há espécies que crescem um metro por dia. Gosto de ouvir os sons que ele produz ao vento, os rangidos e os assobios. O Bambu reúne imponência e leveza. É uma matéria prima que serve para quase tudo nessa vida, seja ela prática ou lúdica. O bambu você – também – pode comer. É uma delícia! Com os pauzinhos – hashi – você se alimenta. Com o bambu você constrói casas, móveis, templos, instrumentos musicais. Com o bambu você pesca, faz ferramentas para agricultura; cria estruturas mais diversas para construções na engenharia. Usa o mesmo no design, na arquitetura. Até bicicleta já estão fazendo de bambu. Quem já pedalou uma sabe – nunca esquece.

Prestes Filho: Você se considera um artesão ou um artista que busca expressar o seu amor pela natureza?

Marcelo Serra: Na verdade o artista vê arte onde não tem nada, no oco poderoso. Quase sempre a pessoa cria obras do nada, no nada. As vezes cria para nada, outras para si mesmo. Faz arte para se comunicar, para se expressar. Sinto uma alegria enorme quando a minha arte reverbera, toca alguém, atinge de alguma forma. Onde tem bambu tem flecha. Mas ser feliz e estar conectado por si só já é muito legal. O bambu fala, ensina. Ninguém pode tocar nele sem pedir licença, tem que conversar com ele. Respeito é fundamental. Porque tem várias expressões tipo “o bambu enverga, mas não quebra”… mas você pode quebrar a sua cara, se machucar ou perder seu tempo e trabalho se não souber como manuseá-lo. Por tanto, pratico a arte da paciência e do conhecimento, da pesquisa e da descoberta. Sou um autodidata sem muitas habilidades manuais. Mas sou um privilegiado. Por que o bambu me seduziu. Ele está me ensinando, fazendo correções. Todo dia converso com ele e prometo: “Sou seu aluno, vou aprender, você é meu mestre, tenha paciência.”

Prestes Filho: Como o bambu entrou na sua vida? Seu pai ter sido marceneiro foi importante?

Marcelo Serra: Vim morar em Teresópolis, mais precisamente na Casa Rosa, no Holiday, construída pelo meu pai. Ao lado da marcenaria dele, paixão dele, existia um bambuzal. Isso tudo me envolveu. Acelerou o meu processo de transição do meio urbano de produção de cinema, de sobreviver e trabalhar de cultura no Rio de Janeiro, para a busca do “menos é mais”. Essa mini roça onde agora eu resido me proporciona liberdade.

Prestes Filho: Quais são as suas principais referências no desenvolvimento do seu trabalho com bambu? A luta pela preservação do meio ambiente faz parte?

Marcelo Serra: Eu faço uma mistura de curiosidade com aprendizado na prática. Fiz um curso no “Pindorama” do Nilson Dias, em Nova Friburgo, onde aprendi o basicão. Foi uma introdução que me permitiu realizar o que faço hoje: o manejo; a colheita; o tratamento; e o uso dos bambus. Tenho aqui cana da índia, ou mirim alastrante, e um tipo de gigante em touceiras. O espectro marceneiro do Arnoldo, meu pai, baixa muito por aqui recomendando cuidados no uso dos instrumentos, máquinas e diz que tudo é matemática. A internet sem dúvida é uma grande aliada. As vezes você conhece e adquire conhecimentos com tanta gente que parece que todos são amigos, consultores, professores e alunos. A questão do meio ambiente é inerente em qualquer atividade do ser humano na atualidade. Nesse quesito o bambu é nota mil. E mesmo não sendo um expert posso dizer duas coisas: (1) o bambu enquanto matéria prima da natureza preenche todos os requisitos no que diz respeito ao eco sistema e o impacto ambiental; tem nobreza, opulência e delicadeza, cresce e se torna maduro em curto espaço de tempo; tem a generosidade de ser a planta que melhor faz a troca do gás carbônico por oxigênio; é uma gramínea que se adapta aos trópicos e também em algumas altitudes; pode substituir a madeira e o aço; pode servir de alimento; é fonte energética; além de purificador da água; (2) o bambu tem tudo para se tornar aquele grande agente de transformação nas cadeias produtivas de matérias primas; é um insumo que merece investimentos em pesquisa, cultura, manejo e educação.

Prestes Filho: Como você insere o seu trabalho com bambu no projeto de residência artística da Casarosaeverde?

Marcelo Serra: Nos últimos anos tivemos ricas experiências, eu e a Alexandra, minha parceira na Casarosaeverde e na vida. Em uma viagem a Tailândia, Birmânia Camboja e Vietnã, entramos em contato com aqueles que hoje são os nossos hóspedes. Foi durante a viagem que surgiu o projeto: “Turismo com Vivência”. A Casarosaeverde hoje é um “case” de uma proposta baseada em trocas de experiências. Todos estão interligados, todos são dependentes uns dos outros. Com a pandemia Covid 19 isso está ficando mais evidente. As pessoas estão buscando fazer uma transição, se não física pelo menos virtual, para o minimal. Comida saudável vindo de hortas orgânicas; troca de sementes “crioulas”; aproveitamento de tudo o que é resíduo industrial, para transformar em “novas” matrizes energéticas. Nesse sentido o bambu torna-se um dos grandes aliados por sua versatilidade e aproveitamento em todas as atividades sócio, econômicas e culturais. Na Casarosaeverde fazemos um mix de recepção turística com vivencia. Os hospedes tem lazer e cultura. Podem aprender sobre produção de
alimentos e técnicas do bambu. Neste momento estamos envolvidos numa produção de conteúdo audiovisual, com recursos do edital da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro: “Bambu a gente faz na #casarosaeverde“.

Prestes Filho: Quais são as técnicas aplicadas?

Marcelo Serra: No caso do Bambu basicamente uma introdução a cultura, colheita, manejo, tratamento. Por fogo ou através de imersão com química; cortes; encaixes; amarrações; e movelaria.

Prestes Filho: Como o projeto pode avançar?

Marcelo Serra: O bambu tem potencial na geração de produtos para o mercado. Seu desenvolvimento pode gerar emprego e trabalho, futuros empreendimentos industriais e artesanais. O bambu pode promover grande circulação de riqueza. Evidentemente seria necessário o reconhecimento do potencial desta matéria prima no Brasil. Nesse sentido temos que saber “espalhar” essas nossas ideias-sementes.

Prestes Filho: Quais seriam suas recomendações para os iniciantes?

Marcelo Serra: Devem observar que existe o tempo para germinar, para brotar, para crescer e para madurar. Até chegar o ponto da poda, da coleta, quando então surge a vida do bambu através daquelas peças gigantescas ou miúdas. Vida que se multiplica em arte, em utensílios de felicidade. A palavra sorrir ou rir em chinês tem no topo dois pequenos símbolos de bambu. Diz-se que o bambu tem uma forte associação com o riso, talvez por causa do som que as folhas de bambu conseguem fazer em um dia ventoso. Se você usar sua imaginação, soa um pouco como a floresta rindo, um som calmante. O bambu em si também tem uma conexão com as brincadeiras tradicionais, por exemplo, a pipa japonesa. Sabemos intuitivamente a importância de sorrir, rir e brincar. A ciência moderna mostra evidências de que o riso desempenha um papel essencial na saúde física e mental do ser humano. Para os iniciantes minha recomendação: Sejam leves como o sorriso do bambu!

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https://jornaldoempreendedor.com.br/destaques/inspiracao/10-licoes-incriveis-do-bambu-porgarr-reynolds/


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).