Por Luiz Carlos Prestes Filho –
ENTREVISTA N.25 – ESPECIAL REGULAMENTAÇÃO DE JOGOS.
Para o advogado tributarista, Luiz Felipe Maia: “A questão tributária tem, necessariamente, que acompanhar a legalização, sob pena de as atividades serem inviáveis ou ficarem à mercê de entendimentos bizarros de autoridades tributárias federais, estaduais e/ou municipais.” Especialista, em regulamentação de jogos, afirmou em sua entrevista que:
“Uma Agência Reguladora de Jogos seria uma solução excelente para criação de um marco regulatório para o jogo no Brasil, desde que a sua lei de criação outorgue à agência os poderes adequados para essa finalidade e se limite a dar o mandato para criação, outorga, regulamentação e fiscalização dos jogos. A lei não deve tentar entrar em detalhes técnicos ou operacionais, caso contrário ficaremos presos a uma realidade que em breve estará superada pelo tempo.”
Luiz Carlos Prestes Filho: Deveríamos estar estruturando uma legislação específica para jogos no Brasil? Os encaminhamentos no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF) podem regulamentar, em breve, os jogos de Apostas em Dinheiro Administrados pela iniciativa privada. Caso os jogos sejam autorizados, será uma correria!
Luiz Felipe Maia: Estamos vendo o debate acerca dos jogos amadurecer nos três poderes. O Legislativo tem se mostrado cada dia mais receptivo à ideia de legalizar atividades jogo no país, já tendo aprovado leis que criaram a Loteria Instantânea e a Loteria de Quota Fixa sobre eventos esportivos LOTEX. Há, ainda, uma série de projetos de lei sobre cassinos e outras modalidades de jogo. O Judiciário recentemente se manifestou acerca do fim do monopólio federal sobre as operações lotéricas e está pautado para abril o julgamento a ação que decidirá acerca da constitucionalidade ou não da proibição dos jogos de sorte no país. Finalmente, o Executivo, por meio da SECAP – Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria do Ministério da Economia, tem trabalhado para preparar a regulamentação das apostas esportivas, bem como para estar pronto para regulamentar outras modalidades que venham a ser aprovadas pelo Legislativo. Acontece, contudo, um fenômeno bastante peculiar aqui no Brasil. Tanto os projetos de lei quanto eventual decisão do Supremo Tribunal Federal que venha a julgar inconstitucional a proibição dos jogos de sorte no Brasil, assim como a decisão que acabou com o monopólio federal sobre as loterias, acabam gerando um impacto muito mais amplo do que o desejado para esse nível de norma. Acabamos por tentar legalizar, ao mesmo tempo e em um nível de detalhamento muitas vezes excessivo, diversas modalidades de jogo. Uma tarefa praticamente impossível, sem precedente no direito comparado. Seria muito mais simples e eficiente seguir o caminho percorrido pela maioria dos países: cria-se um órgão especializado – uma agência reguladora, uma comissão, um departamento, o que quer que seja – o qual terá competência para autorizar e regulamentar todas as modalidades de jogos, desde cassinos e apostas esportivas até jogos pela internet e loterias, incluindo o jogo do bicho.
Esse ente regulador então poderá definir de maneira técnica os critérios para operação, fiscalização e outorga das licenças.
Prestes Filho: Para os investimentos chegarem do exterior, temos que oferecer garantias. O país está preparado? Existe segurança jurídica?
Luiz Felipe Maia: A segurança jurídica virá com um marco regulatório bem definido. Ou seja, com leis que garantam a estrutura básica para atuação de um órgão regulador e uma carga tributária adequada. Depois disso, é necessário um corpo de reguladores técnicos e independentes, que poderão criar o arcabouço normativo de regulamentos técnicos necessário para o desenvolvimento adequado de cada atividade. Em termos de capacitação técnica estamos bem preparados. A equipe da SECAP tem estudado muito o tema dos jogos e hoje está bastante capacitada a iniciar a regulamentação do tema no país.
Prestes Filho: A Cadeia Produtiva da Economia de Jogos do mundo promove atividades nas áreas de arquitetura e indústria gráfica, hospedagem e restaurantes, entretenimento e inovação tecnológica, entre outras. A legislação tributária acompanha essas atividades? Quanto tempo será necessário para estruturar uma legislação tributária para jogos?
Luiz Felipe Maia: O ano de 2020 foi um ano de decisões judiciais muito importantes em matéria tributária relacionadas ao jogo, que certamente nortearão a legislação tributária vindoura. Em 6 de junho de 2020, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o imposto municipal sobre serviços (ISS) pode incidir sobre atividades de apostas e que a base de cálculo constitucional para corridas de cavalos é o valor do “Take” (equivalente ao Gross Gaming Revenue, ou seja, “Apostas Recebidas” menos “Prêmios Gerados”). Trata-se de um precedente seminal para futuras discussões sobre a base de cálculo dos tributos incidentes sobre a loteria de quota fixa criada pela Lei 13.756/2018, de modo que se poderá argumentar que o ISS só poderá incidir sobre o GGR das apostas esportivas. O mesmo argumento poderá ser utilizado para questionar a constitucionalidade da base de cálculo dos repasses obrigatórios definidos no artigo 30 da Lei 13.756/2018, originalmente definida como o total das apostas realizadas (“o produto da arrecadação”). Já em 17 de junho de 2020, o juiz da 16ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo determinou que o imposto sobre serviços (ISS) não pode ser cobrado sobre o valor total dos buy-ins de torneios de poker, mas apenas sobre a parcela de remuneração do organizador (ou seja, buy-in’s menos prêmios). O Município de São Paulo recorreu e o caso aguarda julgamento pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Esses dois precedentes demonstram uma forte inclinação do judiciário ao entendimento de que os prêmios pagos não devem ser computados na base de cálculo dos tributos a serem cobrados dos operadores de jogos. Essa tendência deve ser acompanhada pelo legislador tributário. Quanto ao tempo para que isso aconteça, isso depende apenas do ambiente político para legalização das atividades de jogo.
A questão tributária tem, necessariamente, que acompanhar a legalização, sob pena de as atividades serem inviáveis ou ficarem à mercê de entendimentos bizarros de autoridades tributárias federais, estaduais e/ou municipais.
Prestes Filho: Será que não chegou a hora para promover um grande congresso empresarial e institucional exclusivo sobre política tributária e jogos?
Luiz Felipe Maia: A ideia é excelente. Seria muito produtivo realizar um congresso com pessoas capacitadas que pudessem produzir um documento a ser levado ao governo e ao congresso nacional, com propostas concretas devidamente fundamentadas, inclusive com a proposta de criação de um grupo de trabalho.
Prestes Filho: Cada modalidade deve ter sua estrutura tributária? Como tributar poker, loterias, cassinos, bingos e jogo do bicho? Cada jogo deve ter uma estrutura tributária?
Luiz Felipe Maia: No Brasil não é comum dar tratamento tributário distinto por atividade econômica. Tampouco é necessário no caso do jogo. Em uma simplificação exagerada, os pontos mais relevantes são: (1) Definição da receita bruta do jogo como Apostas menos Prêmios (Essa definição tem impactos sobre a base de cálculo de PIS e COFINS); (2) Definição do preço do serviço de jogo como Apostas menos Prêmios (Essa definição tem impactos sobre a base de cálculo de ISS); (3) Isenção de Imposto de Renda sobre Prêmios para os Apostadores (Em contrapartida, poderia haver um aumento da alíquota da CSLL). Há alternativas a essas sugestões, mas são três temas que precisam ser enfrentados para que a legislação tributária brasileira se adeque à realidade das atividades de jogo.
Prestes Filho: Seria interessante criar uma Agência Nacional de Jogos? Seria melhor deixar o controle no Ministério da Fazenda?
Luiz Felipe Maia: Uma agência seria uma solução excelente para criação de um marco regulatório para o jogo no Brasil, desde que a sua lei de criação outorgue à agência os poderes adequados para essa finalidade e se limite a dar o mandato para criação, outorga, regulamentação e fiscalização dos jogos. A lei não deve tentar entrar em detalhes técnicos ou operacionais, caso contrário ficaremos presos a uma realidade que em breve estará superada pelo tempo. Normas infralegais podem e devem ser alteradas e atualizadas com muito mais agilidade do que leis, com base em critérios técnicos e não políticos. Por isso a importância de um regulador independente e, por isso, entendo que a criação de uma agência seria, sem dúvida, uma solução ideal. Deixar o jogo sob o controle do Ministério da Economia, todavia, não é ruim. A equipe da SECAP desenvolveu nos últimos anos uma expertise muito grande sobre o tema e está capacitada a regulamentar o mercado de forma adequada, desde que haja leis que lhes deem amparo para tanto.
A questão hoje é muito mais política do que técnica, pois dentro do Executivo já temos pessoas com capacidade para realizar o trabalho necessário.
Prestes Filho: O regime democrático favorece a regulamentação dos jogos hoje? Existe possibilidade de gestão empresarial transparente e fiscalização competente pelos órgão de governo?
Luiz Felipe Maia: Winston Churchill já dizia que “A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas.” As disputas de poder e as crises políticas certamente atrapalham as tentativas de legalização do jogo, pois desviam energia e tiram o foco do governo e dos parlamentares do tema. Essa é a realidade e o preço da democracia e o custo da alternativa me parece muito mais elevado. Acredito, sim, que os órgãos de governo possuem capacidade de realizar uma fiscalização competente das atividades de jogo. Atualmente o controle das operações é muito sofisticado, por meio de sistemas e algoritmos que permitem uma segurança muito grande. Somos referência mundial em tecnologia bancária e de fiscalização tributária.
Temos toda a capacidade de controlar qualquer operação de cassino, bingo, loteria ou apostas esportivas. Basta haver um ambiente regulado, com normas claras, padrões técnicos coerentes e penalidades compatíveis.
LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Diretor Executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Cineasta, formado em Direção de Filmes Documentários para Televisão e Cinema pelo Instituto Estatal de Cinema da União Soviética; Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local; Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009); É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).
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