Por Lincoln Penna –
“A política do nacionalismo é uma política de escravização de certas nações por outras, (…) e estabelece a desunião entre os trabalhadores, divide-os e lança-os uns contra os outros, desviando sua atenção e suas forças da luta pela democracia e pelo socialismo.” (Lênin)
Em outra publicação disse que o fascismo é insidioso em seu nascedouro, uma vez que surge em um ambiente povoado de incertezas que resulta nas pregações antidemocráticas, a partir das quais arrebanha uma massa desorganizada que se deixa levar pelo desespero de que é acometida. No começo surge como rebeldia à situação de penúria provocada pela crise, logo ganha a dimensão de um projeto de poder absoluto lastreado no uso de apelos como os da família, pátria e propriedade privada.
A percepção de sua gestação foi obra da genialidade de Wladimir Ilych Ulianov, Lênin, cujo olhar crítico se fazia presente nos desdobramentos do processo revolucionário russo em consonância com o que se passava no resto do mundo, particularmente na Europa que começara a conhecer a fúria devastadora da Grande Guerra, a primeira de outras que se seguiriam. Guerras que seriam tão quentes quanto essa e outras cujas manifestações nem sempre seriam marcadas pelo emprego de armas. Pelo menos, de armas de combates diretos.
Logo após a ascensão dos bolcheviques ao poder, em outubro de 1917, ainda no decurso da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Lênin debruçou-se sobre as tarefas imediatas das quais a primeira foi a imediata cessação bélica com a Alemanha ao acelerar um armistício que estancou as imensas perdas russas num conflito que transformava o povo trabalhador em bucha de canhão.
Já em 1920, o líder da Revolução Soviética percebera que se esvaia o vigor revolucionário numa Europa bastante abalada pelos efeitos da guerra. Apesar de no ano anterior ter sido constituída a Internacional Comunista (IC) com vistas a promover a revolução socialista no mundo, Lênin passaria a dar ênfase à defesa do estado soviético em função das pressões exercidas pelos países capitalistas mais poderosos.
É nessa conjuntura do imediato pós-guerra que Lênin publicou o seu opúsculo “A doença infantil do ‘esquerdismo’ no comunismo”, em meados do mesmo ano de 1920, no qual modificara a estratégia do movimento comunista mundial com base numa até então provável revolução mundial, mais tarde referendada por Josef Stálin ao instaurar a revolução num só país. Mas, ao contrário de seu sucessor, Lênin lembrava a necessidade de se manter inviolável a variedade e as peculiaridades das realidades nacionais, razão pela qual instituíra o Soviete das Nacionalidades na recém-fundada URSS.
Lênin já havia percebido a importância da nação como representação de um povo e de sua identidade, de modo a resultar a noção de pertencimento caro aos pleitos que se expressavam àquela época. O impacto das hostilidades de uma guerra a arrastar várias nações provocara e acentuava ainda mais essa noção de pertencimento a uma pátria. Seu uso indevido por parte de forças supostamente nacionalistas poderia quebrar a espinha dorsal dos valores das nacionalidades. Era preciso, portanto, rebater essa possibilidade pela via da relação dialética entre o espírito internacionalista alinhado à soberania dos povos. Essa assertiva acabaria acontecendo na Itália pouco depois com Mussolini.
Em função de uma luta interna que se tornara recorrente após a morte de Lênin, em janeiro de 1924, essa observação pertinente da grande liderança da Revolução Russa, suas recomendações não foram cumpridas à risca. Ele advertira de que o cuidado com a preservação das características nacionais dos povos, que haviam constituído o novo estado, não significava a não aplicação dos fundamentos revolucionários, a saber: a ditadura do proletariado e o próprio poder soviético.
É preciso salientar que aquela conjuntura do pós-guerra dera início à crise mais acentuada do capitalismo, cujo marco de dimensões mais profundas ocorreria em 1929, se estendendo até meados da década de trinta. É precisamente neste contexto que surgirá o nazifascismo, fenômeno que deriva das crises. Nessas ocasiões é que surge e se expande o irracionalismo a deitar raízes juntamente com os contingentes sociais desiludidos em relação às instituições políticas da democracia liberal burguesa.
Combater o fascismo nos seus primórdios é uma tarefa que pressupõe a sua identificação como elemento desestruturador das relações entre estado e sociedade, bem como o arcabouço representativo existente nessas sociedades. E desmistificar a associação das nacionalidades com o nacionalismo chauvinista do qual se apropriou o fascista em sua primeira manifestação política e ideológica.
O discurso contra a moralidade dos costumes, a ensejar atitudes preconceituosas contra quem é julgado desviante de acordo com as ideias de criminalizar os diferentes conseguiu historicamente arregimentar incautos e desiludidos, que se bandearam de maneira a formar uma massa disposta a tudo.
Como liquidar com esse movimento que age através de atos e ações extralegais com vistas a criar um ambiente de insegurança propício para a instauração de um regime de força política respaldado pelas hordas indigentes, alimentado pelo poder econômico e financeiro tementes da ascensão popular e que põe em prática uma repressão sistemática? Eis a questão que se coloca hoje no Brasil e em boa parte do mundo que ainda se encontra regido por valores civilizatórios. Essa questão está na ordem do dia, pois apesar de se ter impedido o ensaio golpista do dia 8 de janeiro, não nos livraremos tão cedo das ameaças antidemocráticas, razão pela qual faz sentido essa indagação.
Há quem responda propondo a erradicação das raízes espirituais e morais, bases do fascismo. Nestas raízes se encontram mais presentemente os cultos ou falsos cultos religiosos a pregarem concepções regressistas porquanto anteriores mesmo ao Iluminismo e às grandes conquistas científicas da humanidade. Haja vista, mais recentemente a atitude de alguns dessas seitas no período da pandemia a alardear engenhos visando favorecer interesses de uma suposta ideologia comunista.
De todas as afrontas aos valores da humanidade não parece haver dúvida de que os ataques indiscriminados à democracia têm sido o instrumento mais comum desses agrupamentos neofascistas. A atitude de não suportar o contraditório, abre caminho para dar vazão aos seus instintos antidemocráticos. Por isso mesmo, o melhor caminho para barrar o fascismo consiste na defesa intransigente da democracia, sustentando-a e procurando nesse paradoxo ampliá-la a cada investida que sofrer de hordas fanáticas a serviço do desmonte do estado democrático de direito.
Lênin não conheceu a face mais cruenta do fascismo. Instituído na Itália dois anos ante de seu falecimento, isto é, no ano de 1922, com a Marcha sobre Roma, episódio que deu lugar à fundação do regime fascista naquele país. No entanto, prescrutou sua possibilidade de tornar-se a arma do grande capital. Afinal, a fundação de um estado soberano tendo como condutor a representação da classe operária gerou pânico nas hostes dos que tentaram usufruir – como sempre – com a guerra e a herança que passaram a ter de conviver em quase todas as partes do mundo.
Todavia, as análises de Lênin, figura das mais destacada da política anticapitalista do século XX, devem merecer a nossa reflexão, assim como ser sempre lembrado como grande timoneiro da Revolução, intelectual orgânico de sagacidade inigualável em seu tempo e, chefe de estado com acuidade e sabedoria na condução de uma nação sob os escombros da guerra Inter imperialista.
Por outro lado, ao frisar esse seu conceito do ente nacional bem distinto da concepção que vigorava, uma vez que nada tem a ver com o culto expansivo do nacionalismo, ele foi capaz de perceber em sua origem a ameaça fascista em gestação, que na prática evocava o dado nacional para submetê-lo à dominação de um estado supranacional com base numa hipotética supremacia racial e intelectual, uma das formas da manifestação do imperialismo por ele também identificado em seu tempo.
Assim, ao sustentar a inexistência da contradição entre o nacional e o internacional no processo revolucionário, Lênin sacramentou essa oposição aos primeiros sinais de um fascismo que ganharia força e expressão política no período do entreguerras. Afinal, a fraternidade universal é a conjugação produzido pelo bem comum, irmanado no princípio da igualdade entre seus integrantes.
Pode-se dizer que Lênin previu o fenômeno fascista como decorrência do capitalismo em sua fase imperialista, reconhecimento que se deve fazer ao maior vulto da história política do mundo contemporâneo.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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