Por Roberto Amaral e Manuel Domingos Neto –
O “Fora Bolsonaro” só pode realizar-se mediante o impeachment, a alternativa constitucional de que dispõe o presidencialismo.
Impeachment não é mera decisão político-jurídica. Antes de tudo, compreende movimento social poderoso, alcançando todos os segmentos da opinião nacional. No fundo, trata-se de reação da soberania popular traída pelo cometimento de crimes de responsabilidade.
O ápice do movimento é a homologação pelo Congresso. Na formalidade jurídica do impeachment, o parlamentar cumpre seu papel premido entre vantagens que podem auferir do governante ameaçado e a preservação de sua própria legitimidade política.
Quando, em 1992, Ibsen Pinheiro pautou o impeachment de Collor de Mello, a opinião da sociedade estava formada. A constitucionalidade, no caso, podia ser discutível, mas o Presidente já não governava, aguardava a consumação do rito congressual.
O caso de Dilma Rousseff ilustra ainda melhor o processo. A mandatária foi cassada sem crime de responsabilidade. O Congresso dobrou-se à bem sucedida campanha golpista que objetivava condenar a esquerda. O mandato de Dilma teria sido preservado, caso não estivesse desvalida de apoio de massas.
O impeachment é viabilizado nas ruas e termina no julgamento do Senado. Entre os pontos de partida e de chegada, há uma travessia que se faz ao caminhar: o movimento cria sua própria amplitude e legitimação.
Hoje, o pleito do impeachment, ou o “Fora Bolsonaro”, é palavra de ordem aglutinadora de uma indisposição social crescente. Crimes de responsabilidade se acumulam, mas o que conta é o fato de parcelas consideráveis da sociedade repudiarem o governo genocida e não se conformarem com sua permanência.
Um conjunto minoritário e decrescente apoia Bolsonaro baseado em crenças desarrazoadas, promovidas pelo ativismo obscurantista, predisposto a negar a realidade. Mobilizado pelo apóstolo do caos, este conjunto opera em favor do confronto sangrento. Alguns têm como horizonte a guerra civil sonhada pelo Presidente. Amparado por homens armados, o genocida não hesita em sabotar os laços da união nacional.
A maioria dos brasileiros vive no desassossego, no medo e na incerteza desmobilizadora. Teme a peste e sofre a dor de perdas irreparáveis; sufoca em lágrimas o grito de revolta.
Os mais pobres não têm como como driblar a fome. Abatidos e atônitos, pais e mães de família perdem a esperança de encontrar trabalho.
Os pequenos e médios empresários vivenciam o pavor do encerramento de seus negócios. Servidores públicos assistem indefesos às ameaças de cortes de salários.
A sociedade mergulha na desesperança paralisante enquanto os pouquíssimos beneficiados com a política de desmonte do Estado, dos direitos sociais e da proteção ambiental acompanham apreensivos os rumos do país. Sabem que a fúria popular tem seu preço.
Observam matreiros as propensões sociais medindo o tempo de validade do Presidente.
Alguns relutam em retirá-lo partindo de um raciocínio amoral: “deixa o governo sangrar para que seja mais facilmente derrotado!”. O repugnante desta forma de pensar é o menosprezo pela vida dos brasileiros. É raciocínio de criminoso.
Outros, julgam que o impeachment seria a concretização de diabólico planejamento militar: os descalabros e sandices do Presidente teriam o efeito de provocar o caos para em seguida a ordem ser reposta pelas fileiras. Pela enésima vez os soldados salvariam a pátria. Esta é uma possibilidade que merece consideração.
É necessário pensar em impeachment imaginando tanto o processo em si quanto o dia seguinte, notadamente em virtude de o substituto constitucional do titular não merecer confiança. O atual Vice não reproduziria as atitudes grosseiras e apelativas do titular, mas endossaria, assim como os seus fiéis colegas de farda, as linhas gerais do governo. A rigor, constituem o próprio governo.
Ocorre que a mobilização popular pelo impeachment pode condicionar o dia seguinte. O Fora Bolsonaro só será inconsequente caso não aponte mudanças de teor na condução do governo. Não basta mandar Bolsonaro para casa ou para a cadeia. Cabe derrotar politicamente as forças que o patrocinam, entre elas, militares que, subvertendo a Ordem, atuam como atores políticos em detrimento de suas funções institucionais.
Substituindo Bolsonaro, Mourão terá que respeitar os desígnios de uma sociedade mobilizada pela defesa da vida e do próprio Estado. Os quartéis se dobrarão à vontade social mobilizada.
Saberão que passou o tempo de salvar a pátria em nome do povo bestificado.
O impeachment precisa significar o fim da curatela castrense e o estabelecimento de um acordo entre forças políticas que garanta a governabilidade segundo um programa emergencial básico. Do contrário, o ruinoso quadro brasileiro será agravado.
No processo de impeachment as teses sobre os rumos do país irão se firmando e se impondo. As múltiplas demandas serão explicitadas. Haverá confrontos programáticos, porém, não mais reservados ao pequeno número de dirigentes partidários e os donos da riqueza.
O pleito do impeachment será o imã que agregará as variadas aspirações de nossa sociedade. Hoje, contrapor-se ao impeachment é apostar na paralisia e no caos. Defende-lo é lutar pela ordem democrática, pela dignidade nacional, pela defesa da sociedade e pela retomada do desenvolvimento.
Sem o impeachment, afundaremos na desordem e no arbítrio.
Fora, Bolsonaro!
ROBERTO AMARAL – Escritor, jornalista, cientista político, ex-ministro de Ciência e Tecnologia, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em 2015, foi nomeado conselheiro da Itaipu Binacional, foi presidente do Partido Socialista Brasileiro.
MAZOLA
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