Redação

A ausência de um mecanismo para identificar e punir quem financia fake news é uma das falhas do projeto de lei aprovado pelo Senado e que agora será votado na Câmara, avalia o deputado Orlando Silva (PC do B-SP). Ele defende mudanças nos dispositivos que permitiriam coleta de dados de usuários para evitar o que chamou de “big brother”.

Silva, amigo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi escolhido para coordenar um grupo informal de deputados que debate os principais pontos da proposta.

O texto, que deve ser apreciado pela Câmara em agosto, foi apelidado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de PL (projeto de lei) da censura. Para Silva, isso é uma fake news e discurso político.

O presidente Rodrigo Maia, na abertura do ciclo de debates sobre a lei das fake news, afirmou que a Câmara vai trabalhar para construir um texto melhor que o do Senado. Qual a avaliação preliminar do senhor sobre o texto do Senado?
Em primeiro lugar, importa dizer que a proposta vem marcada por boas intenções. O desafio da Câmara dos Deputados é trabalhar a partir do texto do Senado. Nós teremos dez sessões de debates públicos com o objetivo de pôr luz nos aspectos mais polêmicos do texto votado no Senado. Num segundo momento, a Câmara deve elaborar um texto, eventualmente pode apresentar mudanças. E nessas sugestões da Câmara eu defendo que nós façamos um diálogo com o Senado.

A conversa com o Senado aconteceria quando?
Eu diria que o trabalho da Câmara vai ter fases. A primeira fase é a fase desse debate público, em que nós vamos convidar a academia, especialistas, juristas, plataformas devem participar, a indústria, a sociedade civil. A segunda parte da primeira fase é o diálogo internacional, com especialistas da ONU, OEA etc. Vencida essa etapa, nós entraremos na fase propriamente dita de elaboração de texto. Firmado um parecer da Câmara sobre o texto do Senado, entramos em uma terceira fase, de negociação com o Senado, de modo que a gente possa produzir convergência para um texto comum e, modificado na Câmara, ele possa ser ratificado no Senado.

Para ter uma tramitação mais célere?
O presidente Rodrigo Maia já determinou a urgência. Ele nos comunicou que quer uma tramitação rápida, mas não quer uma tramitação com atropelos. Por isso a visão dele, que nós estamos praticando, que é a construção de um diálogo social.

Ele tinha falado em três semanas.
Quando ele fala três semanas, se forem duas ou quatro, está mais ou menos no prazo. Eu imagino que não devamos ir muito longe, imagino que tenha espaço para a gente apreciar essa matéria em agosto.

Redes bolsonaristas apelidaram o projeto de “PL da censura”. No texto, o senhor identificou algum elemento que dê base para que o projeto seja chamado de “PL da censura”?
Falar que o PL de combate a fake news é PL da censura é narrativa. E é uma fake news, inclusive. É narrativa, é discurso político. A preocupação que deu origem a esse debate é a preocupação de que existe a distribuição de desinformação em escala industrial e há financiamento para isso, inclusive. O foco deveria ser buscar quem financia as estruturas que disseminam em escala industrial a desinformação. Isso existe ou não existe? A questão é essa. Se existe, tem de ser desmontado. Aliás, o inquérito que está aberto no Supremo neste momento mostram que existem organizações criminosas especializadas em difundir desinformação, e há quem financie isso. E isso precisa ser combatido. Mas isso não pode ser confundido com qualquer tipo de restrição da liberdade de expressão.

Mecanismos de seguir e identificar quem financia poderiam ser incorporados então a esse texto, essa tipificação penal?
Eu acredito que não ter a tipificação penal, não ter o mecanismo de seguir e punir quem financia fake news, é uma falha do texto do Senado. Temos de enfrentar o financiamento da indústria de fake news. E é preciso que as pessoas que fazem isso tenham consciência de que estão cometendo um crime e que poderão ser punidas.

Como não deixar a moderação da plataforma arbitrária?

Eu defendo que haja um procedimento. Se a plataforma for notificada de que algum crime contra a honra foi praticado, ela tem de comunicar o autor desse crime para que ele remova aquele conteúdo. Mas é preciso dar o espaço de contraditório.

Há uma preocupação com o armazenamento de metadados, que isso infrinja privacidade dos usuários. Essa questão da rastreabilidade é um problema, na avaliação do senhor? Identificação dos usuários e rastreabilidade são temas sensíveis e dizem respeito à privacidade. A coleta de dados deve ser mínima e para finalidade determinada. Essa ideia de fazer uma coleta geral de dados para, quando for preciso, usar numa investigação é, na prática, uma perspectiva de estado vigilantista, “big brother”, o Estado que a todos controla, a todos monitora. Isso inibe ação do criminoso? A meu ver, não. Porque o criminoso é criminoso, ele vai encontrar uma forma de burlar a lei para atender os seus objetivos. Mas pode, sim, inibir a liberdade de expressão das pessoas. Nós não podemos, sob o pretexto de criar mecanismos para garantir a investigação policial, descuidar ou desproteger a privacidade de cada pessoa.

O que mais o senhor acha que pode ser discutido também?
A minha perspectiva é que tudo que tiver de divergência, de polêmica, tem de vir para a mesa.


Fonte: Folha de SP, por Danielle Brant