Por João Batista Damasceno –
Marielle tomou posse como vereadora no dia 01/01/2017. A intervenção federal na área de segurança pública no estado do Rio de Janeiro foi decretada em 16/02/2018. Marielle foi executada no dia 14/03/2018, no 27º dia após a decretação.
Intervenção federal é um mecanismo de exceção presente na Constituição da República que permite a suspensão temporária da autonomia de um estado federado para que o Governo Federal assuma o governo estadual, no todo em parte dele, a fim de resolver questão que comprometa gravemente a ordem, quando este demonstre incapacidade de resolver. É medida de exceção, tal como o estado de sítio e o estado de defesa. O decreto de intervenção deve determinar a duração, a forma de execução e nomeação de um interventor. Entra em vigor quando o decreto presidencial é aprovado pelo Congresso Nacional.
É estranho que uma intervenção aprovada no final de fevereiro de 2018, visando a solucionar o problema da segurança pública no estado do Rio de Janeiro, tenha sido desafiada pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson, sem que o interventor, general Braga Netto, sequer tenha recebido os familiares das vítimas. Mais estranho ainda é se acreditar que Marielle tenha sido morta por questão imobiliária, assunto do qual jamais se ocupou com veemência, e que o “matador de aluguel” tenha feito o serviço fiado.
Após a decretação da intervenção, Marielle assim se pronunciou nas redes sociais: “Sabe o nome cotado para Sec. Seg? Richard Nunes? A MARÉ CONHECE! Comandou a ocupação das Forças Armadas na Maré, entre dez de 2014 e fev de 2015, mês, de barbaridades. Uma delas quando os soldados atiraram contra o carro q estava Vitor Santiago, hj sem uma perna e paraplégico”.
Da Tribuna da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro Marielle fez o seguinte pronunciamento: “Eu vivi na Maré a intervenção militar por quatorze meses. Os favelados e faveladas sabem exatamente o que é o barulho do tanque na sua porta. O fundamental é que ecoa nas redes sociais, ecoa em outros espaços e fica esse burburinho. Onde é que vai ser realmente a intervenção? Quem sabe aonde a ponta do fuzil vai ser apontada? Aí me desculpem, não é o que vocês chamam de partido de esquerda, fazendo de maneira pejorativa referência ao PSOL. Sim! O PSOL é contra. Mas a Defensoria Pública é contra, o Ministério Público é contra, vários órgãos… Por que afinal de contas, quem vai vigiar? A quem vai prestar contas, por exemplo, o tão ilibado Exército Brasileiro com relação às suas intervenções militares nas favelas? Porque na Maré durou mais de 14 meses e custou mais de seiscentos milhões. Sem contar a vida das pessoas. O Matheus, hoje a família do Vitor com ele na cadeira de rodas, as mortes que existiram… A quem é prestado conta? A que custo é esse debate da intervenção?”.
E leu nota com o seguinte teor: “O comandante do Exército, em face da gravidade, entende que a solução exigirá comprometimento”. Comentando disse: “Até aí tudo bem! Comprometimento temos de várias formas, de cada um com seu processo ideológico, a sua responsabilidade”.
Em continuidade da leitura prosseguiu: “…sinergia, sacrifício dos poderes constitucionais”. E comentou: “Eu quero saber se os legisladores dessa casa e do estado do Rio de Janeiro, por exemplo, os deputados estaduais estão tranquilos com a retirada de direitos? Que processo democrático é esse?” E concluiu a leitura: “…sacrifício dos poderes constitucionais, das instituições e eventualmente da população”.
Analisando a nota lida disse: “Ora, eu quero saber quem vigia os vigias? Eu quero saber qual é a responsabilidade dos legisladores, que não estão atentando para a gravidade do momento em que se fala da intervenção federal, da intervenção militar. Mas a gente não passou agora por um problema que deveria ter sido uma intervenção direta, nessa situação na cidade do Rio de Janeiro, com a última chuva da quinta-feira? A situação de calamidade, onde se apresenta que no último ano, por exemplo, não ocorreu a prevenção do que deveria ser feito. Eu prefiro ficar com o processo democrático no qual as nossas diferenças estão colocadas, mas o processo de verdade e coerência se mantém, do que uma autocracia em um lugar que será destinado e orientado por outro governador que não o governador eleito”.
O golpe que se ensaiou no Brasil no dia da diplomação do presidente Lula, em 12 de dezembro de 2022 ou sua forma tentada no dia 08 de janeiro de 2023, há muito estava sendo costurado. A prisão do presidente Lula, em 2018, com fundamentos políticos explicitados pelo The Intercept Brasil, a intervenção no Rio de Janeiro e o atentado à Marielle faziam parte de um plano para a eventualidade de não se conseguir emplacar projeto de poder contrário à democracia e aos direitos do mundo do trabalho.
A mídia, em 1981, no caso da bomba do Riocentro, desvelou o atentado à abertura democrática, mostrando que militares do Exército colocavam bombas para alarmar a população e justificar o fechamento do regime.
Ao invés da clareza com que se pronunciava Marielle, que fazia cair as máscaras e promovia o fortalecimento das instituições democráticas, foi feita opção pelas versões oficiais, difundidas por quem estava comprometido com o processo.
JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Colunista do Jornal O Dia; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Jornalista com registro profissional no MTPS n.º 0037453/RJ, Sócio honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros/IAB, Conselheiro efetivo da ABI.
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